segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

um post de dois anos atrás

Voltei.
ao voltar, li um post escrito dois anos atrás, mais até, em fevereiro de 2008.
Muita coisa mudou, continuando morando sozinha, amei dois homens, moro sozinha de novo e estranho tudo de novo.
fica o de dois anos atrás, aos poucos, conto o que aconteceu nesse tempo. Ou não.
a volta é sem compromisso. é só porque eu lembrei, dde como escrever me faz bem.
e aí eu conto para os meus amigos que aos poucos vou aterrizando, que depois de quatro semanas morando sozinha um pouco da euforia inicial passou, assim como os estranhamentos. Já sei chegar e ir embora de casa sem estranhar não falar "oi, como foi seu dia? " ou "tchau, viu? volto mais tarde, fica bem." Já sei ligar quando estou me sentindo sozinha, sei de coisas novas que gosto e de coisas novas que não gosto. Sei que arrumar a casa, se cuidar, fazer faxina, ginástica, comprar salada, lavar salada, arrumar a cama, comprar água, pagar as contas, lavar a roupa, preparar aulas, corrigir redações, trabalhar e ser dá trabalho e ando muito muito cansada. Sei que não adianta comprar uma dúzia de bananas, três mangas e três pêras. Sei que quando acordo no meio da noite devo acender a luz, pegar um livro e ler até que o sono chegue de novo. Sei que é bom sempre ter iogurte em casa. Sei que fazer tudo isso é rotina para muita gente, mas fui muito bem cuidada nesses anos todos de casamento e sei que sinto falta de alguém cuidando de mim. Sei também que vale muito, muito mesmo ser verdadeira, e que todo esse caminho é não só necessário como também era o único possível, sei que ficamos amigos e sei que não podemos nos aproximar, não por enquanto. Sei que viver sem estar apaixonada é mais chato que viver estando apaixonada. Sei que uma tristeza às vezes vem, e que é normal, natural até. Sei que também vêm momentos de alegria e euforia. Sei que a opção por uma vida verdadeira é sempre a melhor possível, e que é uma opção difícil mas muito, muito compensadora. Sei que acho chato cozinhar só para mim, e sei que ficar comendo fora todos os dias em SP é muito caro, e geralmente, pouco saudável. Sei que paquerar e conquistar é gostoso e divertido, sei que muitas vezes não vale a pena sair do estágio da paquera. Sei que estou mais sábia, mais jovem e mais velha ao mesmo tempo, estou mais mulher e mais humana também. Sei que estou mais forte, sei que ando cansada, sei que é um baita esforço, mas daqui a pouco, talvez tudo isso, torne-se natural.

"Eu do lado certo"

No sexto ano ( antiga quinta série) inicio o trabalho de redação pedindo que escrevam um texto intitulado: Eu ao contrário.

É assim: eles têm que escrever sobre si, mas descrevendo-se ao contrário do que são. Devem falar daquilo que gostam, que odeiam, de suas personalidades, comidas prediletas, família, corpo... sempre ao contrário. É bem divertido e desmonta o que seria uma auto-descrição banal e já solidificada que cada um de nós tem sobre si mesmo. Eles se divertem contando como são velhos, os meninos falando que são meninas, as meninas faladno que são meninos, contando como amam comer jiló com beterraba, como odeiam pizza e ver tevê e assim por diante...
Ao me entregar o texto, um deles perguntou:
- E quando você vai nos pedir para entregar uma redação falando do "Eu do lado certo? "
- "Eu do lado certo? " - perguntei, sem entender muito.
- É, ué... Já escrevi sobre o "eu ao contrário", agora queria escrever sobre "eu do lado certo", ué...


E nas redações um menino escreveu que amava viver. Achei que havia se atrapalhado, muitos se atrapalham e acabam falando de si " do lado certo" ao invés de falar de si ao contrário. Chamei o moleque:
- aqui, onde você colocou que amava viver... é isso mesmo ou você ama viver de verdade e se enganou?
- Não. - me disse o menino, impassível, do alto do seu metro de altura - eu odeio viver.
- É mesmo? - perguntei, procurando fazer um ar tão indiferente quanto o dele ( quando aparecem essas coisas a gente tem que prestar atenção mas, ao mesmo tempo, não dar muita bola nem se mostrar muito impressionado) - então, você não gosta de viver...
- É. - respondeu-me, lacônico - Inclusive, eu sempre como maionese em excesso que é para apressar a minha morte.
- Tá, só para saber. - respondi, e o menino que come maionese em excesso para apressar a sua morte voltou a sua mesa, e foi passar a limpo sua bela redação.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

as histórias maravilhosas que os alunos me contam:

Então na sétima série comecei o trabalho com crônicas. O grande lance de se trabalhar com crônicas é, ao meu ver, despertar nos alunos um senso de observação das pequenas coisas do dia a dia, fazer com que percebam que a matéria literária é também aquela bem próxima, das coisas pequenas e grandes que acontecem ao redor da gente: o café da manhã qu etomamos, uma briga com o irmão, uma pessoa vista na rua. Quero que eles agucem seus sentidos para a vida e que percebam que a vida é feita dos pequenos momentos, das pequenas belezas, das horas e dos dias. O pessoal tem mania de achar que as redações têm que versar sobre grandes acontecimentos, sequestros, mortes, roubos e fugas, coisas assim. No trabalho com crônicas, procuro mostrar que não é bem assim, que o muito grande pode estar numa fração bem pequena na nossa existência, que basta observarmos e prestarmos atençao nas coisas dos nossos dias e noites, nas pessoas que nos rodeiam, nas conversas que escutamos, que temos matéria de sobra para o escrever. Matéria essa muito mais interessante, e verdadeira, do que aquelas ditas grandes ou sensacionais.
Pois bem, alição de casa da semana passada era muito simples:
- observar.
- Como assim?
- Observar, prestar bastante atenção em alguma coisa. Qualquer coisa. Pode ser uma pessoa, um lugar, um sentimento, um diálogo, um jeito da pessoa se mexer e falar, o que vocês quiserem. Tem que prestar muita atenção mesmo, e trazer essa observação para a sala de aula.
No dia marcado, todos haviam trazido suas observações, e puseram-se a escrever. Todos menos um:
- Pedro... Por que você não está escrevendo?
- Ih... não tive nada para observar professora.
- Como não? e tudo aquilo que eu falei, sobre o mundo, as pequenas coisas...?
- Sabe o que é? Desde que você deu essa lição, o mundo ficou vazio... vazio, vazio...


Fiquei ali por alguns minutos, olhando o moleque. Sorríamos, eu e ele, enquanto outro escrevia sobre a professora de português, meio louca e meio descabelada.

Somewhere over the rainbow

Porque então no dia seguinte ao bang bang a gente acorda e quer olhar o sol e ficar numa boa, na aventura da vida.






PS: excelentes discussões nos comentários sobre filmes com crianças. Corram lá para ver.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

bang bang

porque às vezes a gente se sente assim como se abatida. Ou porque, simplesmente, às vezes eu queria ser a Uma Thurman, no Kill Bill.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Filmes com criança: a culpa é dos adultos, esses adultos....




Filmes com criança são fofos.
Eu sei, você sabe, todos nós sabemos.
Não precisa muito:
Um sorrisinho, uma brincadeirinha, um comentário puro e inocente, o câmera fechada naqueles olhos infantis e lá estamos nós, sorrindo feito bobos ou nos debulhando em lágrimas, pensando assim: que fofo!

Acho que o primeiro que inaugurou essa leva foi o Cinema Paradiso. O maravilhamento do cinema sob o olhar do menino, e como são expressivos os olhos das crianças!
E então veio a farra: o holocausto sob o olhar da criança, a guerra sob o olhar da criança, a ditadura brasileira sob o olhar da criança, a ditadura argentina sob o olhar da criança, a política sob olhar da criança... façam suas listas.

Outro dia, vendo a lista dos filmes mais badalados, quase caí para trás: ou eram filmes para crianças ( maravilhosos: desde o surpreendente transformers até o maravilhoso ratatuille) ou eram filmes com crianças como protagonistas. Essa coisa fofa e linda que é mostrar o mundo através do olhar infantil.

Ok, alguns são terríveis, aterrorizadores mesmo. O Labirinto do fauno talvez seja o exemplo mais acabado disso: mesmo o mundo encantado da criança é um mundo de sombras, onde o bem e o mal não são facilmente distinguíveis, onde são pedidas provas cruéis, pessoas morrem e tudo o mais.

Crianças sofrem muito, e não são santas nem boas. Os bons filmes, e as boas narrativas com crianças, não se esquecem disso.
Mas...

Outro dia comprei o cedê do pato fu: daqui pro infinito. Um cedê pop gostoso, bom de ouvir no carro. E lembrei do Arnaldo Antunes, e lembrei da Adriana Calcanhoto e fiquei pensando: eles fazem música para criança ou para adulto?

Eu adoro música de criança, me acabo cantando Os Saltimbancos, mas... na minha época, música de criança era vendida como música de criança. Me assusta um pouco, adultos ouvindo músicas de criança.

E a maioria dos leitores de Harry Potter também é adulta, assim como os espectadores dos filmes da Disney e Pixxar, assim como os espectadores do Senhor dos Anéis e assim como assim por diante.

Ok, talvez as produções voltadas para o público infantil e adolescente sejam mesmo melhores que aquelas voltadas para o público dito adulto, mas eu fico achando, fico achando mesmo, que há algo de... senão podre, muito estranho no Reino da Dinamarca.

Tudo isso porque fui ver o filme A culpa é do Fidel.
O trailer é sensacional ( ok... eu continuo acreditando em trailers...) e a idéia, ótima:

Uma garotinha francesa, feliz e burguesa, vê sua vida progressivamente ser arruinada à medida que os pais se politizam, viram comunistas e envolvem-se com as políticas da década de sesseta, setenta. Logo ela passa a ganhar de presente roupas estranhas e coloridas, bordados de flores, gorros peruanos. Logo ela perde sua babá querida, exilada cubana, e passa a ser cuidada por babás esquisitas, exiladas de países como o Vietnam, China ou Grécia, que lhe servem comidas estranhas com ingredientes exóticos e ignoram o bom e velho pain au chocolat. Pior: ela muda-se para uma casa menor que logo é invadida por homens barbudos que não param de fumar cigarros esquisitos, é tirada da aula de catecismo, e logo passa a ter vergonha de levar suas amiguinhas para dormir em casa.

Fui ver, porque afinal tem a ver também com a história da minha vida. Estudei numa escola alternativa onde as meninas chamavam-se Inaê, Erecê, Ialê... ( sempre confundia as três) , e os meninos: Caê, Cauã, Tom e Gil. Havia até uma Luz Morena. Juro. Chamar Luana era tipo normal.

Fui a comícios quando pequena, fiz muita boca de urna quando criancinha, lembro com emoção do povo reunido na minha casa, se preparando para ir ao comício das diretas já, tinha - e tenho - medo de polícia. Lembro, também com emoção, quando minha mãe foi votar pela primeira vez e me levou junto, e me mostrou o que era o voto e a democracia. Meus pais tinham amigos torturados, exilados, desaparecidos. Tenho um primo querido que nasceu no Chile e cresceu no exílio, um tio que foi procurado vivo ou morto. Meu avô, que ensinava russo na Universidade, foi preso várias vezes. Cresci em meio a discussões políticas, cantei muita música revolucinária, aprendia lições de marxismo e socialismo, noções de igualdade e luta, usava sainhas indianas desde pequena, e burguês para mim era uma espécie de xingamento bem sujo. Todos, a minha volta, eram barbudos, e minha mãe usava umas jóias de prata africanas que acho lindas até hoje.
Enquanto meus amiguinhos iam para a Disney, passava as férias no Peru, na Bolívia, na praia de pescadores de não sei aonde, nos confins do Piauí.

Ganhei e usava gorros peruanos e sainhas indianas desde criança, tinha amigos que levavam tofu e bardana de lanche para a escola e morria de vergonha de ver minha mãe dançando Gal, descalça na sala, como se não houvesse amanhã. Minhas músicas de infãncia são Tom Zé, Caetano, Novos Baianos, Gil e assim por diante. Só ouvi falar de deus pelas empregadas, bastante preocupadas com meu destino pós mortem.

Aprendi desde pequena a valorizar a política, a liberdade, o pensamento, a luta por um mundo justo, as artes, as vanguardas artísticas, o amor, a paz, essas coisas.

Fui conhecer meu primeiro malufista só aos quinze anos de idade.

Juro.

Quando criança, brincava de fazer greve. Uma vez fiz até uma passeata com uma amiguinha: "edo, edo , edo, não queremos dormir cedo!"

Tinha que ver aquele filme.

Fui.

Há cenas boas, identifiquei-me com várias situações, ri um pouco e tal. Mas...

Alguma coisa me incomodava, e conversando com a Ana Paula, uma das amigas brilhantes que tenho, percebi o que era:
esses filmes com crianças acabam, ao final, se eximindo da crítica, e mesmo da política.

Vejamos, por exemplo, O Labirinto do Fauno, o melhor filme dentro desse gênero, dentro dessa última leva:

há duas histórias paralelas que correm no filme:
a história dos adultos, sob o fascismo e a brutalidade franquistas, representada pelo espaço da casa e pela figura do Capitão, atento ao seu relógio quebrado, às regras, à procriação, à manutençao do regime. Dentro desse espaço, há aqueles que buscam caminhos de luta dentro da própria casa (o caso de Mercedes, a governanta, dona das chaves da despensa, que quer cantar uma cantiga de ninar para a menina mas esqueceu-se da letra; ou do médico, que envolve-se mesmo que tardiamente, pois não há neutralidade possível dentro de um regime de exceção) e há aqueles que lutam na floresta, organizados em grupos políticos subversivos. Esse é o plano da História, aquela política e social, feita pelos homens e mulheres.
Há, também, a história da criança. A menina desde o início carrega consigo um livro de contos de fadas e logo na primeira cena vê, na floresta, indícios de um mundo mágico e encantado. O plano da história, sob olhar da criança, mescla-se com o plano da fantasia, do mito, da narrativa mágica.

Logo aparece a figura do fauno, e à narrativa histórica, que ocorre no plano da casa e se estabelece sob o conflito do filho do Capitão que está para nascer e a busca pelos subversivos escondidos na floresta, mescla-se a narrativa mágica, que se estabelece sob as tarefas que a menina princesa deve cumprir para restituir seu lugar de princesa e reestabelecer a ordem a e harmonia no plano mágico. São duas espécies de luta que correm em paralelo. Em jogo: a liberdade e a vida.

O labirinto do fauno é o labirinto da história, e nele se enlaçam os fios da narrativa dos homens e mulheres e os fios da narrativa mágica.

Não interessa, é claro, se o plano mágico é somente fruto do delírio da menina imaginativa ou se acontece "de verdade". No cinema é tudo "representação", mesmo os filmes baseados em fatos reais são de mentirinha, e isso - a suposta veracidade do mundo narrado - não é critério para analisar obra de arte alguma.

Ao final, a luta política é massacrada, morre o Capitão e morrem também os Revolucinários. Esses são os nossos tempos, a gente fica se perguntando se a luta política morreu, e eu fico achando isso perigoso, muito perigoso. A saída que o filme apresenta, e o filme apresenta uma saída, é no plano mágico, onde a menina ainda vive, restitui seu lugar de princesa e tudo. No plano da história o bebê é o único sobrevivente e será criado por Mercedes, que não lhe contará sua verdadeira história e poderá criar outra, quiçá mais feliz. O filme não abdica da complexidade e aí está um dos seus gandes méritos. Mas o final da história está no plano mágico, da criança, único lugar possível de harmonia, onde cada personagem pode ter seu lugar na História. Do labirinto da história, aquela real, não há saídas, apenas massacre e violência. Um bom filme, que faz pensar e não abdica da complexidade. Um filme também desencantado com os rumos da história e da política, como tantos filmes nossos contemporâneos, um pouco como nós.

Parece que as atuações políticas possíveis e que fazem sentido no mundo de hoje estão no campo da ecologia, da ação individual, da formação de pequenos grupos que vão lutar por seus direitos específicos. É claro que ficamos descrentes na política, nos políticos, nos partidos, nas revoluções e etc. Isso pode ser um sinal de crescimento, mas parece-me um pouco perigoso. Triste, e perigoso, pois as grandes estruturas que oprimem sim e transformam todos os aspectos da vida e a própria vida em mercadoria, objeto vendável, permanecem as mesmas, não importa quão ecológicos ou politicamente corretos sejamos. Sim, meus amigos: a lulu acha que o velho Marx estava certo . Não nos prognósticos, mas no diagnótico o cara acertou bem. Além de lutar pelo nosso jardim, nossa liberdade de amar e ser e nossas galinhas felizes, há que se manter em vista as grandes estruturas. Elas não são naturais, são opressoras e podem, talvez, ser mudadas.


Isso porque o que me incomodou no filme A culpa é do fidel é justamente uma espécie de descompromentimento com a política e o mundo dos adultos que esses filmes atuais narrados sob a perspectiva de olhos infantis acabam por criar.


A criança não pode fazer nada para mudar o mundo. à criança são dadas explicações simplistas, a criança não tem escolha, não vota porque simplesmente ainda não tem condições de decidir-se por determinadas políticas ou candidatos. A criança percebe um monte de coisas legais sobre o mundo e o ilumina mas é criança, não pode se comprometer nem fazer escolhas.

Quando eu brincava de polícia e ladrão, sempre brigava com meus amiguinhos e amiguinhas sobre quem seria o ladrão. Ninguém queria ser polícia.

Ok,
é uma cena fofa.

Vamos combinar: nada complexa.

Agora, com o tropa de elite, meus alunos brincam de ser polícia. Normal, crianças. E os adultos?
Com o tropa de elite, brincam de ser polícia também. Cansei já de ver professor imitando o Capitão Nascimento.


O bom da Mafalda, uma grande personagem infantil, é que ela sempre colocava os adultos em situações de constrangimento. Alienada era a Suzanita, cujo projeto era ser mãe e ter muitos filhos. Mas mesmo a Suzanita ocupa um papel importante, importantíssimo, no mundo da Mafalda, pois se somos muito Mafaldas, vamos confessar baixinho que também temos um lado Suzanita. Ou não. Ou lutamos contra esse lado. Mas o mundo é complexo.

O problema de filmes de crianças é quando eles abdicam da complexidade e da crítica. Quando tudo torna-se uma melodia pop e fácil, boa para se ouvir no carro em meio ao trânsito. Quando as questões de adulto parecem que podem ser resumidas nas respostas das crianças. Quando a estrutura do mundo, por um ato de vontade, parece que pode ser reduzida à perspectiva do olhar infantil.

é fofo.

mas não é assim.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

primeiros dias

Então a casa está, finalmente, arrumada. Preciso de um novo colchão, mas dá-se um jeito. Ainda não sei cozinhar só para mim. Ainda gasto mais do que ganho.
Levanto e ouço música. Leio.
Minha fase Henry Miller passou, li tudo dele que me caiu nas mãos. Comecei aler Pais e Filhos, do Turguêniev.
A casa anda sempre cheia, acho que os vizinhos vão reclamar.
As aulas recomeçaram e tem duas coisas lindas no primeiro dia de aula:

1) As crianças pequenas chorando de saudades de casa, de saudades da mãe, de susto com o mundo novo.
A professora pega a criança no colo, leva para a classe e fala assim:

- Olha quanta coisa legal a gente vai fazer !
O menino, chorando e fungando, responde assim:
- Eu sei... mas é que eu estou com muita saudade da minha casa.
A mãe fica num canto, meio escondida, olhando seu pequeno, esperando para ver se ele aguenta passar o dia fora, sozinho na escola nova pela primeira vez.
As mães e os pais de crianças pequenas, que vão deixar os filhos pela primeira vez na escola às vezes não aguentam e choram um pouco também e se escondem, para que os filhos não vejam as suas lágrimas e fiquem em paz em seus novos lugares.

2) A ansiedade e confusão dos meninos do sexto ano ( ex quinta série). Eles vêm com suas mochilas, seus cadernos novos, e sempre, sempre vêm com TODOS os livros pedidos, de todos os dias da semana, um peso enorme. A gente chega na classe e nunca viu uma classe tão quieta. Pede uma redação e nunca viu tantos meninos tão empenhados em escrever. A confusão é enorme: muitos professores, matérias novas, cadernos novos. Um menino perguntou:
- Eu não estou entendendo... Quantos cadernos é para eu colocar em cima da carteira?
- Que matéria você tem agora?
- Ciências.
- Então agora você coloca só o de ciências.
- Tá bom.
E então ele vai lá, coloca o caderno de ciências em cima da mesa, arruma o estojo com milhares de lápis, canetas, canetinhas, borrachas, e espera a aula e a nova vida começarem.

Eu lembro do meu primeiro dia na quinta série. É um novo mundo e é muito legal. Crescer é muito legal também.

Eu, no meu novo mundo, estou toda pronta. E vivo. E cresço.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

carnaval em S.P.

o bom de passar carnaval em São Paulo, sem tevê, é que a gente nem percebe que é carnaval.

cidade vazia. adoro.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A história dos meus livros, parte 1



Ali, meus livros da infância, que li e continuo lendo, seja por razões de ofício, seja por prazer mesmo.

O Monteiro Lobato inteiro, usado, mil vezes lido, viajado, levado comigo para todas as casas onde morei. Histórias do mundo inteiro, Harry Potter, os novos livros de criança.

Eu lia Reinações de Narizinho num sítio que meu pai tinha em Campinas. E ali, eu pude fazer uma das coisas mais legais do mundo de se fazer quando se lê literatura:
no sítio do meu pai tinha uma jabuticabeira. Eu, menina, me empoleirava na jabuticabeira, levando coigo meu livro. Abria as páginas bem confortável, e comia jabuticabas, enquanto lia que Narizinho "não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! - caroço fora. E tloc, pluf, - tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore. " E havia o Rabicó, um leitão muito guloso, que vinha postar-se embaixo da árovre, à espera dos caroços. " Cada vez que soava lá em cima um tloc! seguido de um pluf! ouvia-se cá embaixo um nhoc! do leitão abocanhando qualquer coisa. E a música da jabuticabeira era assim: tloc! pluf! nhoc! - tloc! pluf! nhoc!"

Eu aprendi a comer jabuticabas junto com a Narizinho. Até hoje ouço essa música, mas fico na minha, ouvindo bem baixinho, sem contar par aninguém, lembrando dessa parte feliz da minha infância, quando vvia aquilo que lia nos livros, e ficava torcendo para adormecer ao lado de um riacho e aparecer um prícipe escamado, que cutucasse meu nariz achando muito estranha aquela caverna peluda. E o prícipe escamado me levaria para o Reino das Águas Claras, onde as fadas me fariam o vestido mais lindo e o Dr Caramujo daria uma pílula que faria minha boneca falar sem parar. Fui ali que aprendi a viver aquilo que leio, e que aprendi que as fronteiras entre literatura e vida são bem bem tênues. Ok, podem dizer que sofro de Bovarismo desde então. Aceito o diagnóstico.

Ontem estava lendo o conto O Gato Preto, do Edgar Allan Poe para o sétimo ano ( ex sexta série, depois explico isso ) . Eles têm doze anos, mais ou menos. É um conto muito assustador, narrado em primeira pessoa. O narrador vai contando como a raiva e a maldade vão se apoderando dele de maneira tal que ele, que outrora amava os animais, passa a maltratá-los e espancá-los. A certa altura ele conta como, embriagado, retira um canivete do boso e arranca o olho de seu gato. Nesse momento, um menino, aluno novo, todo pequenininho e assustado, levanta a mão e pergunta:

- É de verdade isso?

Eu respondi:

- Não. É de mentira.

Menti. Há poucas coisas tão verdadeiras no mundo como a boa literatura, a boa ficção.
As crianças sabem disso. Os adultos que são bons leitores sabem disso também.

as fotos... para os curiosos, clicando em cima, elas ampliam e dá para ver meus livros de criança. A segunda está fora de foco, eu sei... mais tarde troco por uma de melhor resolução.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

começam as aulas

Amanhã começam as aulas.
Uma semana antes do carnaval. Coisas do calendário escolar...

Tenho saudades dos meus alunos, e ao mesmo tempo, tenho um pouco de medo. Minha vida mudou tanto nessas férias, eu mudei tanto, que nem sei. Vou ver como estou ali também. Poruqe a lulu que terminou o ano é diferente da lulu que começa o ano. Mesmo. As mudanças internas foram mais longas, é claro, mas estou diferente, minha vida está diferente. Será que estarei diferente na sala de aula?

De qualquer maneira, a cada ano entro na sala de aula, para o primeiro dia de aula, como se fosse a primeira vez.
Todo ano, fico nervosa e ansiosa.
Todo ano, há dez anos, a primeira pisada na classe parece ser definitiva. Tento ser muito muito brava e assustar muito todo mundo. Raramente consigo.

Neste ano, durante as férias, nem pensei na escola. Me constituí e reconstituí de jeitos que não incluíram o estar na sala de aula, escrevi muito, arrumei minha casa, fiz milhões de aulas de dança, conheci pessoas, comecei a morar sozinha. Tudo mudou, mas meu trabalho cntinua exatamente o mesmo, e isso também me dá uma certa estranheza.
A sala de aula é o meu lugar.
Um dos meus lugares.
Um lugar que talvez também tenha que ser reinventado.
Ou não. Não sei ainda.

Para ser uma boa professora é necessário um grande nível de doação. O bom professor, na sala de aula, não olha para si mesmo e sim para os alunos, e abre, com generosidade, caminhos para que eles possam crescer e aprender. Se a gente tá muito auto centrado, muito inseguro ou muito envaidecido, muito preocupado com algo ou muito distraído, é difícil as ulas saírem boas. Pelo menos comigo é assim. A hora de entrar na sala de aula é a hora de esquecer meus problemas pessoais e me focar e concentrar naquele momento. E aquele momento é dos alunos.

Eu levo minha profissão muito à sério, me sinto muito responsável por coisas importantes na vida de muita gente. Para o bem ou para o mal.

Quanto mais novo o aluno, mais importância os professores têm. Por uma série de razões. É claro que aquele super professor na faculdade pode transformar nossa maneira de ver o mundo, apresentar novos universos e tal, mas aí, de certa maneira, já estamos formados.

Quem cuida do seu filho de cinco anos de idade é alguém muito, muito importante na vida dele.

Há uma inversão cruel de status e salário na carreira de um professor que faz com que os professores que lidam com crianças menores sejam os que ganham pior, e o salário aumenta na medida em que aumenta a idade, e o nível dos alunos. E a pessoa se forma mesmo quando criança. Professores do fundamental 1 são muito mais determinantes para a formação de alguém do que qualquer professor do endino médio. Muitos pais entram também nessa lógica e investem tubos de dinheiro para colocar o filho no ensino médio mais caro da cidade, enquanto o filho mais novo vai ser alfabetizado na escolinha perto de casa, tá bom... ele é criança ainda. As crianças bem formadas desde pequenas são geralmente os melhores alunos em qualquer nível que venha depois. Até a faculdade. É claro que estou sendo bastante fatalista aqui, e há mil histórias de virada, intelectual e moral, ao longo da vida de cada um. O que eu queria dizer é que um professor de quinta série, sexta, sétima, oitava é alguém que pode marcar muito a vida de alguém. E em português isso fica muito evidenciado e forte. Porque trabalha-se com escrita e leitura, com a fala e os vários tipos de comunicação, com a relação da pessoa com o mundo e consigo mesma, com as possibilidades de expressão e construção dessa relação. Isso não é pouco.


Quando faço meu planejamento anual penso nessas coisas. Porque não quero, nem posso, me eximir dessa responsabilidade. Na escola em que leciono sou responsável pelo curso de português inteiro do fundamental 2. Dou aulas da quinta à oitava série, de redação, gramática e literatura. O moleque vai me ver quase diariamente por quatro anos da vida dele. Eu tenho que fazer o meu melhor. Dar um curso que forme os alunos, como leitores, escritores e donos da sua linguagem.

E todo começo de ano me dá uma tremedeira. Uma insônia na véspera da primeira aula. Um medo de que nada vai dar certo.

Uma vontade de que amanhã já chegasse logo, e uma saudade de ouvir o sinal, pegar minha caixinha de giz, e voltar logo para a sala de aula.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

listas

Coisas que eu acho chatas:

- fazer faxina.
- cozinhar para mim mesma.
- quando eu vou dormir e tem uma torneira pingando ou algum som estranho e intermitente pela casa, especialmente quando tá frio.
- quando eu chego em casa e há vários recados na secretária eletrônica, três de trabalho e um da ex faxineira.
- quando não ligam de volta nem para dizer então tchau.
- chuvinha.
- insônia.
- cuidar do carro.
- fazer supermercado, mesmo de madrugada.

Coisas que eu acho legais:

- me vestir e me arrumar e saber que estou bem.
- receber elogios.
- amigos e amigas que depois da balada acabam dormindo em casa, pois não têm como voltar.
- amigos e amigas que aparecem de repente.
- chegar em casa, colocar uma música, beber um copo de vinho e escrever.
- olhar a minha casa.
- dançar.
- acordar e cedo e estar animada para o dia.
- tomar café da manhã e ler jornal de papel.
- ligar e fofocar e contar da vida e dos causos para pessoas queridas.
- encontrar pessoas queridas.
- ler.
- frio.
- rir.
- me sentir bem.
- ser muito verdadeira, o mais que der.

Coisas que eu acho estranhas:

- uma sensação de constante novidade.
- contar para as pessoas que não vejo há tempos, que me separei.
- esse negócio de flerte e sedução e encontros e desencontros.
Na verdade é legal, mas eu ainda não me acostumei.
- dormir sozinha.
- o fato de que o mundo continua o mesmo, e tão diferente.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

lulu chiquérrima

Pois fiquem sabendo que o bloguinho da lulu está ali no super site de culinária: Panelinha, da Rita Lobo, indicado como um blog bacana, especialmente a parte lulu na cozinha. A descrição de mim ficou engraçada, reproduzo aqui:

"Lulu é uma garota esperta. Ela é moderna e meio doidinha. Escreve de um jeito bacana, dá dicas de cinema, livros e viagens. Mas o melhor de tudo é Lulu na cozinha!"

Vejam aqui.

Em homenagem a esse evento, resolvi completar e republicar um posto sobre o ovo frito perfeito, que não teve muita atenção mas que acho bem legal, porque fala de alguns princípios da cozinha da lulu. ( uia! como estou metida... )

E além disso...

Ganhei esse selo do blog A Balestra,
do Roberto Balestra.





Adorei!!
Repasso o selo para alguns blogs que mandam bem em literatura, cometendo a injustiça de deixar muitos outros de fora.
Ninguém precisa repassar nada por sua vez, nem mencionar o selo em seus blogs.
Fica como um carinho e agradecimento pelos bons textos sobre literatura que esses blogs têm :

Odisséia 2005, do Leandro Oliveira. Um blog crítico, fundamental.
Biajoni. O blog do Bia. Precisa mais?
O biscoito fino e a massa. Uma referência intelectual, política e de amor às letras e ao pensamento autônomo e crítico na rede.
Liberal, libertário, libertino. O cara fica publicando no blog os trabalhos que faz para a pós graduação. Uma cara de pau sem fim.
Polzonoff
. Um leitor turrão, meio deprimido, talvez meio de direita, meio casmurro. Sobretudo, um leitor sensível e inteligente, e um bom escritor. Um grande blog sobre leituras.
Subrosa. O blog da meg. Um blog apaixonado.

Por causa do site Panelinha, resolvi republicar um dos posts da lulu na cozinha, está logo ali embaixo.
Sobre a arrumação da biblioteca... gente! que trabalho! Ainda não acabou. Juro.

domingo, 20 de janeiro de 2008

saber cozinhar... a experiência do ovo frito perfeito.

republicação de um post do comecinho do diário da lulu, lá de dezembro de 2006.

Sim, a boa cozinha está na simplicidade e na arte de fazer bem coisas aparentemente simples.
Uma vez fui num restaurante chiquérrimo, nos jardins, badalado e tchudo. Fomos numa das promoções que esses restaurantes fazem, de um menu fixo no almoço, quando é possível entrar nesses lugares, comer e pagar sem ter que deixar as calças, vender os filhos ou, simplesmente, gastar metade do PIB da Somália....

Bom, o menu é fixo e de entrada tínhamos a opção de uma salada verde ou ... ovo frito.

Sim, senhoras e senhores, ovo frito.

Pedi.
O ovo. Frito.
Meu marido ficou me olhando com aquela cara de..."puta-que-pariu-ela-vem-nesse-restaurante-e-pede-ovo-frito..."

Eu nem aí. Quero o ovo frito. Copos de cristais e ovo frito.
E lá veio.
Confesso: eu sei fazer uma salada verde maravilhosa, sei mais ou menos o que é uma salada verde maravilhosa, mas não sei fazer um ovo frito maravilhoso, e não sabia, até então, o que podia ser isso.

Para começar o ovo veio num prato todo lindo, quadrado, branco, umas cinco vezes maior que o ovo em si, que estava ali ao canto, artisticamente posicionado, triunfante. O melhor ovo frito da minha vida, e eu nem sou fã de ovos, muito menos de ovos fritos. A gema perfeita, a clara crocante, um parmesão maravilhoso, cortado por cima... enfim... Uma obra de arte.
Por quê?



e aí vêm alguns princípios fundamentais da boa cozinha:

1) O ponto.

pode estragar tudo, ou salvar o jantar. Uma massa molenga, uma carne hiper passada, uma lula esturricada... não há talento, experiência ou ingrediente que funcione.

Aquele ovo frito estava no ponto perfeito: a clara era crocante e a gema estava mole, não mole demais para se espalhar por todo o prato e estragar a arte da coisa e nos lembrar dos tempos da gemada, nem dura demais, o que tiraria o gosto e o charme da coisa.

Para conseguir o ponto perfeito, além da atenção e arte, geralmente é necessário um bom fogão também, e boas panelas ajudam muito.

2) A qualidade dos ingredientes


Nada também adianta se a matéria prima não é boa. A cozinha pode ser muito muito simples, uma salada de alfaces com azeite e sal. Toda a diferença vai estar na qualidade do alface, do azeite e do sal.
Um bom tomate, um bom pão... pronto. Ingredientes de qualidade e frescos. Frutas da estação, peixes escolhidos a dedo... Isso é que faz uma boa cozinha.

No caso do ovo frito, aposto minha vida que era um ovo hiper especial de galinhas felizes e caipiras, vindas não sei de onde e tal. O parmesão era excelente, e assim por diante.

3) Os temperos.

O que temperava o ovo:
Sal... flores de sal, não assim um salzinho qualquer não... cristais de sal, de preferência colhidos por moças virgens à primeira luz da manhã...
Pimenta do reino, moída na hora, é claro. Pimenta do reino que já vem moída e é guardada em saquinhos perde todo o cheiro e sabor. Sim, amigos e amigas, comprem um moedor de pimenta bacana.
Lascas do melhor parmesão. Eu não estou falando de queijo ralado e dessa mania de colocar queijo ralado em tudo, estou falando de fatias finíssimas de parmesão, duas ou três, que começavam a derreter com o calor do ovo.

Nota importante: na cozinha da Lulu não entra nenhum tempero desidratado, nem químico, nem nada que já venha pronto em cubinhos, vidrinhos ou qualquer coisa assim. Credo.
Folhas de manjericão inteiras, maceradas `a mão... Tomilho, sálvia... Cada tempero dá uma alma e personalidade ao prato, alguns são amigos de carne, outros se dão bem com peixes. Cuidado. Respeitem as ervas, as pimentas, a mostarda, o curry. Nada de sair por aí misturando tudo loucamente. E sim: aposentem aqules vidrinhos de ervas desidratadas. Faça o teste: elas assim desidratas têm gosto de quê?
Respondo: nada.
Caldo de carne em cubinhos? Nem pensar.

4) Texturas e contrastes.


Fundamental para qualquer prato.
Comer é uma experiência que envolve os cinco sentidos: o som da cozinha é algo belo, o azeite chiando na panela, o cozido que borbulha. O cheiro... O paladar, claro. Os olhos. E o tato. Todos esses sentidos são aguçados se se souber combinar harmonia e contrastes: doces e salgados, um certo amargo em meio às folhas, a ardência leve da pimenta em meio a um prato suave.
Geralmente esquecemo-nos das texturas. Misturar texturas, algo crocante em meio a uma sopa, uma pasta que explode no recheio de um ravioli... A surpresa é um dos fatores da boa cozinha, e a textura é um dos elementos importantes.

Já aviso que cozinho com as mãos e se no programa de cozinha a/o cozinheira/o aparece com luvinhas higiênicas... desligo na hora, num tem papo, nem choro, nem vela.

Ali havia a textura crocante da clara contrastando com a textura mole e macia da gema, e o parmesão e as flores de sal conferiam surpresas gustativas que só realçavam a qualidade do ovo em si.

5) O visu.

A louça era linda, e um ovo frito é lindo em si, duas cores fortes, branco e amarelo, um círculo perfeito ao meio. Zen, e belo.

Os japoneses sabem. Come-se também com os olhos. Bacana cuidar do visu de um prato.


Enfim... é isso.
Comi o ovo frito perfeito.

Quem não sabe cozinhar direito pode até fazer um risoto de morangos com champã e impressionar a namorada, mas para fazer um excelente ovo frito... é preciso conhecer e dominar a arte do negócio.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Um dia para ser contado

Para o acontecimento mais banal virar uma aventura, é preciso começar a contá-lo”.
Roquentin, no romance de Sartre A Náusea.

Então ontem, sexta feira, acordei pela primeira vez ás onze da manhã. Estava tendo muita dificuldade para dormir, ontem pela primeira vez dormi tranquila e até tarde. Acordei e me assustei com o adiantado da hora: sorri feliz. Acordei e decidi que viveria um dia inteiro, um dia a ser narrado:

Café da manhã:


Frutas, mamão.
Na tigela, cereal com uma colher de linhaça. Um bom queijo branco, peito de peru, um pão integral feito por uma amiga. Café preto. Leite para o cereal.
Coloquei a minha louça mais colorida, a minha toalha de mesa mais colorida. O dia estava lindo. Lavei a louça, lavei o rosto e tomei meu café da manhã devagar, sem pressa alguma, ouvindo música e sentindo, com os olhos, o olfato, o tato, aos poucos, o sabor de cada coisa.

enquanto comia, via a minha sala e a cidade de São paulo, que da minha casa, é assim:

Meu café da manhã durou uma hora. Era uma da tarde, quando terminei. Sexta feira. A vida é boa.

Li. Fui ler e reparei nas leituras bandeirosas que ando lendo. de Dezembro para cá, li:

A sonata a Kreutzer, de Tolstói:


Tête a tête, sobre a História de Simone de Beauvoir e Sartre:


Sexus, de Henry Miller:


e Risíveis Amores, de Milan Kundera.


Ri, enquanto lia, e terminava o maravilhoso livro do Kundera, li deitada na rede, o melhor lugar de leitura que há no mundo.

Depois, fui arrumar minha biblioteca. Os livros estavam todos empilhados, jogados na estante sem ordem nem cuidado.



arrumar minha estante, a estante dos meus livros, significou rever minha vida inteira. Isso acontece, com qualquer leitor compulsivo: os livros nos narram.
Amanhã, conto como foi a arrumação e mostro como ficou.

No final do dia, choveu em São Paulo:


e a chuva refrescou, lavou e limpou a cidade e a lulu inteira.

Ao final: cinema, cerveja, kebab e o conforto e felicidade que é ter amigos.
Não canso de repetir, não canso de assombrar-me.



Um dia simples.

Um dia de aventura.

Um dia a ser contado.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O futon, a tevê e o amigo.


Na mudança toda de vida, minha nova casa está com um quarto praticamente vazio.

O quê fazer com um quarto vazio?

Ora... foi a pronta resposta da lulu: uma super sala de tevê e hóspedes, ué! Chiquérrimo, hiper luluzístico, quero a casa sempre cheia, coisa e tal...

Já tinha a tevê, levei-a para o quartinho vazio, coloquei um edredon, e fiz o teste: ficava bacana. Vi que era bom. Improvisei até uma cortina, e boa.

Como sou uma mulher moderna e de bom gosto, logo decidi que, ao invés de um sofá cama horroroso, compraria um futon elegante. Já fiquei hooras imaginando o novo ambiente da casa:



em tempo teria também a jacuzzi e a varanda.

Fui em lojas, pesquisei preços, me assustei um pouco mas era possível dividir, em quantas vezes fossem, sei lá o quê.

Voltei toda contente para casa, e fui contar as novidades para o Alex, via MSN. O Alex, ente outras coisas, está funcionando como meu personal money advisor ( uia! ficou chique isso!) , pois ele já foi muito rico e ficou pobre, e entende tudo de readaptação e organização financeira.

Meu ex ganhava o dobro de mim, e vivíamos os dois com os salários dos dois, e todo mês eu entrava ( muito ) no negativo. Ou seja, mesmo com o orçamento três vezes maior, entrava no negativo. Ok, eram duas pessoas, mas isso não faz taaanta diferença assim, o tipo de vida que levava ia muito além das minhas reais possibilidades financeiras, e a casa que a gente sustentava era essa mesma onde estou agora.

Agora, faz parte do meu processo de crescimento viver com aquilo que eu ganho, e só, e pronto. Recebo uma ajuda dos meus pais para gastos médicos e coisas assim ( eles me ajudam muito) , mas o dia-a-dia terá que ser inteiramente sustentado pelo salário de professora da lulu, e repensado, e mudado.


Meu salário dá para o dia-a-dia, não dá para comprar cedê, devedê, roupas, sapatos, etc. Não dá para jantar fora toda semana, talvez não dê nem para jantar fora. Não dá pra nenhum luxo, mas dá pra ter um dia-a-dia confortável e bacana.

Isso também tem a ver com uma escolha de vida que eu fiz e venho fazendo desde que me conheço por gente: ter uma vida fundamentalmente prazerosa.
Sempre quis trabalhar com algo que realmente gostasse, algo que até desse significado para a existência, que achasse importante e significativo. Nunca me vi num emprego onde estivesse fundamentalmente e unicamente para ganhar dinheiro. Trabalho é sempre chato, e se não precisasse ganhar dinheiro não trabalharia, mas pelo menos, então que faça algo que ache bacana. E eu realmente adoro o que eu faço.
Isso para mim significou a escolha de um trabalho que não dá dinheiro. Nunca me arrependi nem repensei essa escolha.
Outra coisa: não trabalho dois períodos, como quase todo professor faz. Trabalho somente um período (todas as tardes) e por isso tenho tempo para escrever aqui, preparar aulas, corrigir os trabalhos dos alunos e fazer pesquisa acadêmica. Ajuda bastante o fato de eu não ter filhos, é claro. Essa escolha é uma escolha bastante luxuosa.
Trabalho bastante, mas não levo uma vida de exaustão e estress, voltada somente para o trabalho. Fiz isso algum tempo, já dei mais de trinta aulas semanais, trabalhando manhãs e tardes. Não fazia mais nada na vida. Nada. Nem pensar eu pensava. Nunca ganhei tão bem, nunca fui tão infeliz.

Ter tempo para ler, escrever, dançar, andar pela cidade, cozinhar, etc. é mais importante e muito mais valioso do que devedês, cedês, sapatos, carro do ano, casa na praia, celular não sei o quê, jantares não sei onde. Trata-se de uma escolha de vida.

Trabalho no que gosto, e trabalho somente o suficiente para sustentar um dia-a-dia simples.

Escolhi trabalhar de maneira que possa ter tempo livre para minhas produções, para o estudo, para a reflexão, para a arte e para a vida. Escolhi ser meio pobre mesmo.

Aí, o Alex, que também fez essa escolha, como aliás muitos amigos meus fizeram, me lembrou de tudo isso, enquanto eu falava dos incríveis futons que havia visto.

Ele falou uma coisa muito simples: lulu... vc não tem dinheiro para comprar esse futon... Você não pode querer os dois mundos. Ou vive conforme suas escolhas, ou muda de emprego, de vida.
mas, alex... é tão bonitinho... eles fazem em mil vezes, no cartão...
lulu, a regra número um de organização financeira é não parcelar nada. Se vc quer tanto o futon, vc economiza um dinheiro durante algum tempo, vai lá e compra a vista. Não parcela. É isso que quebra a gente.
Mas Alex... eu nunca vou conseguir economizar esse dinheiro todo...
Então vc não pode comprar o futon.
Mas Alex! e minha sala de tevê?
Lulu... vc precisa mesmo de uma sala de tevê?


Pausa.




Seria muito legal ter uma sala de tevê, assim como seria muito legal ter uma tevê de plasma , assim como seria muito legal um monte de coisa. Ninguém discute isso lulu. Mas a pergunta que vc tem que se fazer, nesse momento da sua vida, é: vc precisa mesmo disso?
Isso, lulu, de sair comprando tudo o que a gente acha legal ter, é coisa de rico. Pobre quebra, se viver assim. Sala de tevê com futon é coisa de rico também. Acorda lulu!



Levei a tevê para o meu quarto, passei a assistir tevê na cama.



Alguns dias depois, aluguei uma série na locadora. Grey´s anatomy. terceira temporada. Inacreditavelmente chata. Chata, chata, chata. Passei um dia inteiro vendo aquela porcaria, um capítulo atrás do outro. Ao final do dia, estava deprimida.
Nos meses em que passei na casa do meu pai, fiquei sem ver tevê. Quase três meses. Sabem o que aconteceu? Li muito.
Eu adoro tevê, mas associo tevê com depressão. Sempre penso que ao invés de ver tevê, poderia estar lendo um livro, indo ao cinema, escrevendo, lendo qualquer coisa. Eu amo tevê, mas tevê não me faz feliz. Pelo contrário. Sou do tipo que, mesmo odiando tudo o que está assisitindo, é capaz de passar o dia na frente da porcaria da tevê. E depois ficar mal.

Então tomei um ato de grande coragem: liguei para o ex, falando que não queria a tevê.

Vou viver sem tevê em casa.

Posso ver devedês no computador, posso ir ao cinema.
Isso aconteceu há alguns dias. Estou lendo mais, escrevendo mais, me mexendo mais. O combinado com ele é que se me der crise de abstinência, eu ligo e ele traz o bicho de volta.

Então, não só não tenho meu quarto de tevê, como também nem tenho mais tevê.

Eu não preciso nem de um, nem de outro. Preciso dum colchonete, para os amigos que vierem se hospedar aqui terem onde dormir. E o quarto virou um lugar onde treino, me alongo e danço. Disso eu preciso.

E isso também é ser livre,

como me ensinou o Alex.

É aprender, de fato, a dar o verdadeiro valor para as coisas que realmente têm valor.

Obrigada, amigo.


Sobre organização monetária, leiam também esse post bacana da Zel:
momento "história verídica"

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

coisas legais e estranhas nesse negócio de morar sozinha

Apesar de ter saído de casa para estudar na Unicamp com dezessete anos, nunca antes havia morado sozinha. Quando estudava dança na Unicamp, morei na moradia estudantil, com um bando de biólogos e depois morei numa república, com um bando de artistas.
Não queiram saber. ( Dentre eles, um casal amigo do coração, que amo muito até hoje. Saudades. )

Depois, quando voltei para São Paulo, fiquei um tempo na casa do meu pai e logo já fui morar com meu namorado, com quem morei até novembro do ano passado. Sim, passamos alguns tempos distantes, durante um tempo ele estava em Curitiba e eu em São Paulo, mas é diferente, pela primeira vez tenho uma casa que é minha e só, de mais ninguém. Nem com os gatos eu quis ficar.
Isso é muito legal, porque é o meu espaço, a minha casa, porque sou eu. Ao mesmo tempo, estranho. Acho muito estranho, principalmente, nos detalhes, nos pequenos detalhes...

Supermercado:
Confesso: quando fui ao supermercado pela primeira vez, para fazer as minhas compras, dei até uma choradinha. Não é minha culpa, tocou uma música do Roberto Carlos, eu estava ali, o carrinho vazio na minha frente e eu pensei: caraio, posso comprar o que eu quiser. E só o que eu quiser. E só. Pronto, lá vieram as lágrimas escorrendo pelas bochechas da luluzinha.
Comecei até a me divertir: se eu quiser passar para uma dieta de salgadinhos cheetos, coca cola e chiclete, eu posso. Ninguém vai falar nada.
Se eu quiser fazer uma dieta de tofu com bardana, quiabo e arroz integral, e só comer isso o dia inteiro, eu posso. Ninguém vai falar nada.
Se eu quiser viver de caviar e champanha... não posso. Quebro em um dia. E me ferro também.
Ok... a liberdade não é absoluta...
Mas, mas, mas... o fato é que a lista do supermercardo é minha. Só minha, não tenho mais ninguém em quem pensar nessa hora. Nesse momento, o Roberto Carlos estava lá, cantando, e foi ali que eu dei uma choradinha. Legal, e estranho.

Do que eu gosto mesmo? Como vai ser a minha geladeira e a minha despensa?
E nesse momento, eu ri. Porque, lembrem-se, ando namorando comigo mesma, e nesse namoro tenho me achado muito interessante. É quase uma pesquisa antropológica.
Como é que é que eu sou mesmo?
Comprei iogurte, pão integral, queijo branco, banana, maçã e manga. Esqueci de comprar papel higiênico. Comprei um vinho e um espumante. Comprei pão sueco. Comprei cenourinhas baby e salada já lavada. Leite em pó, água mineral, cereais.
Quase fali.
Voltei para casa, contente.
Legal. E estranho, muito estranho.

Chegar e sair de casa

Das estranhezas talvez a maior seja chegar e sair de casa. Ninguém sabe que eu cheguei. Ninguém sabe que eu saí. Eu sei que isso é comum, e.... repito, já fiquei meses sozinha em casa, mas é diferente, a gente se ligava e se falava diariamente e um sabia onde o outro estava, sempre. Agora, não. Claro, minha família e meus amigos me acompanham, mas é diferente. Faz parte desse negócio de liberdade. Se eu quiser acordar seis da manhã e ir correr, eu pego e vou, e se quiser depois passar o dia inteiro fora de casa, eu pego e vou. Os perigos da cidade restringem essa liberdade de ir e vir, mas ela continua sendo bem ampla. Saio e chego quando quero, sem satisfações, aviso quem eu quero, quando quero. Estranho .

Claro que quando as aulas recomeçarem isso muda um pouco, volto para a rotina de horários estabelecidos e tudo o mais. Mas chegar e sair de casa e não falar: "oi! cheguei", "oi... tô saindo..." é estranho. Por outro lado, minha casa está linda, e é muito, muito legal chegar, olhar a casa e pensar: essa é minha casa. E cada saída é uma saída nova para um mundo novo, de um jeito novo. Então é legal. Estranho, mas legal.

hábitos caseiros:
Essa é a parte que talvez esteja me causando menos estranheza, e que ando mais pesquisando. Chego e ligo o som? Chego e tiro a roupa? janto às três da manhã? Fico o dia inteiro na frente do computador? A que horas leio? Quando ligo para os amigos? Dou cambalhotas pelo corredor da sala? Fcio vendo pornografia na internet? Faço minhas respirações de ioga sem vergonha de pagar mico na frente dele?
É engraçado como a vida de casada fica (ou como a minha ficou ) condicionada ao outro, aos hábitos dele, aos nossos hábitos como casal, essas coisas. Tenho uma amiga que quando se separou descobriu que gostava de dormir até tarde. Quando casada, havia uma rotina de acordar sempre muito cedo, namorar de manhãzinha. Pois bem, ela separou-se e descobriu que odeia acordar cedo. Não que antes ela estivesse infeliz, acordar cedo com ele era bom. Mas ela, sozinha, enquanto "indivídua" descobriu, e só descobriu isso depois de separada, que gostava de acordar tarde e dormir tarde. Quando a gente está morando com alguém, passa a ser a gente e esse alguém. E mesmo que todas as individualidades fiquem preservadas, a vida gira em função do casal, e há os hábitos criados juntos, do casal. Agora pesquiso-me, e vejo como sou, pela sala, pelo quarto, pela cozinha, pelo banheiro. Devo confessar que, por ora, estou muito mais organizada. Antes, louça suja na pia e armário bagunçado não me incomodavam. Agora, têm me incomodado. Também não quero saber de tevê, mas isso é assunto para outro post.

Primeira pessoa do singular, primeira pessoa do plural:

Antes, minha vida era uma vida pensada e vivida na primeira pessoa do plural: nós. Agora penso e vivo na primeira pessoa do singular: eu . E sou múltiplos "nós" : eu e cada um dos meus amigos e amigas, eu e os novos amores, eu e a cidade, eu e minha casa... Não me sinto só.
Construo meus eus, e tenho me achado bem legal, e não me estranho.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O almoço da lulu

Então voltei a cozinhar, casa nova, rotina nova, faço minhas comidinhas.
E neste calor infernal há pouca disposição para comidas quentes e difíceis. Aliás, neste calor infernal há pouca disposição para qualquer coisa, a não ser sair de SãoPaulo e ir para algum lugar com água e natureza onde o calor possa ser vivido de maneira menos cruel. Vamos lá, em São Paulo nem shorts o povo usa. Não combina. Calor não combina com essa cidade cheia de concreto e asfalto. E calor não combina comigo.

Viveria feliz para o resto dos dias se a temperatura oscilasse assim entre os 17 e 22 graus. Seria perfeito. O lado bom do calor é que, no entanto, a gente come salada com prazer, e nem sente que está sacrificando nossa felicidade gustativa em nome de um corpitcho sarado. Hoje foi daqueles dias em que nem dava para pensar em comida quente, dia de comer saladas, sucos, essas coisas de gente saudável.
E lá fui eu, investigar a geladeira.

Peguei um peito de frango feliz ( Como somente frangos felizes, aqueles orgânicos, que vivem livres e tal) , já sem pele. Cortei o bichinho em pedaços, sem muito método, pedaços bons de pôr na boca. Temperei com Mostarda de Dijon, qualquer mostarda serve, quanto melhor a mostarda, melhor fica. Temperei significa que coloquei um monte de mostarda na tigela e mandei ver, tem que ser um lance bem generoso, todos os pedaços do frango feliz devem ficar amarelos e cobertos de mostarda. Aí coloquei azeite, pimenta e sal, a santíssima trindade da culinária luluzística.

Então eu deixei o frango por ali descansando em seu banho de mostarda por uma meia hora e dá-lhe uma boa caçarola com azeite bem quente (só um pouco de azeite, nada de frituras), e pronto. Coloquei os franguinhos ali até ficarem dourados e crocantes, formando casquinha e tudo. O resto foi bem mais simples: um tomate cortado, folhas de alface, cenourinhas baby. Gosto de temperar a salada no prato e jogar o frango por cima depois. Tá pronto. Rápido e fácil e gostoso. bom para dias assim, dias quentes de verão.




Liberdade

Tenho trinta e dois anos, um emprego que adoro, uma casa linda, um corpo forte e alongado. Tenho muita gente a minha volta, gente que gosta de mim e que cuidou muito de mim, de longe e de perto. Tenho excelentes amigos; sem eles e elas, mal andaria.

Anteontem, voltei para casa, a minha casa.

A minha separação aconteceu no dias dois de novembro, do ano passado. Foram doze anos de um casamento lindo, somos amigos.
Fui para a casa do meu pai, enquanto meu ex-marido cuidava e arrumava o novo lugar para onde foi. Anteontem separamos as nossas coisas, fizemos a mudança, voltei para minha nova velha casa. Os gatos ficaram com ele, por comuníssimo acordo e decisão.

Acordei e como ainda estou de férias não tenho compromisso algum.
Sou livre, absolutamente livre, de um jeito que nunca fui na vida. Não me acostumo direito, sinto um monte de medo, mas sinto tambémque tenho o mundo inteiro pela frente, minha vida inteira a ser vivida e descoberta. Celebro a mim mesma, no melhor estilo Walt Whitman. Estou só, e apaixono-me e cuido de mim. Estou cheia de amor. A cor do mundo mudou, parece mais vivo e sinto cada partícula do ar que respiro. Estou viva, e pronta para a vida.
que venham. que venha. estou pronta.
Triste e , ao mesmíssimo tempo, muito muito feliz. Porque não há nada no mundo como ser verdadeira e corajosa. Querer liberta. E eu quero, quero muito, ser muito feliz, e ter uma vida plena e inteira. E quanta coragem, quanta coragem foi necessária para eu assumir isso, e viver assim.
e que assim seja. é bopm, namorar a mim mesma. E o aprendizado de estar só tem sido bom também. Difícil, mas ninguém aqui quer facilidades.

Um beijo a todos os meus leitores.
l.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Acabaram as férias. Voltei.

Meu discurso de paraninfa ( o primeiro parágrafo é blablabla, o resto tá bacana) :



São Paulo, 15 de dezembro,

Crianças,

Pais, famílias, queridos colegas educadores,


É cheia de honra e nervosismo que estou aqui, hoje. Obrigada. Eu, como vocês sabem, estudei aqui no equipe, me formei aqui, na oitava série e no terceiro colegial. Fui educada aqui, pelas mesmas mãos e pelo mesmo espírito que agora educa vocês. Então, estar aqui, agora, sendo homenageada pelos meus alunos, é algo muito forte. Uma espécie de ciclo, e de continuidade porque essa formação, que essa escola me deu, foi o que me fez querer ser educadora. Vocês sabem, um de vocês escreveu isso de um jeito bonito um dia: para mim, ser educadora é um jeito de ajudar o mundo.


Eu gosto de saber que a gente leu, sentiu e pensou muito, juntos, sobre grandes obras da literatura. Lemos sobre um adolescente cujo pai fôra assassinado e cuja mãe casara-se com o tio. Esse menino, príncipe da Dinamarca, convive com os fantasmas de sua família e com as desrazões de si próprio e do mundo. Incapaz de abrir-se para o amor de Ofélia, preso entre a necessidade de vingança e uma vontade de justiça, cheio de urgência de crescer e tomar logo seu lugar no mundo, briga com a questão que ficou tão famosa: ser ou não ser.


Crianças: sejam.

Optem sempre por ser. Com quantas faces vocês tiverem. Tortos, pela metade, na busca. Tenham sempre, coragem de ser. Porque mesmo se não tivermos nada, mesmo se não formos nada, a parte disso, temos em nós todos os sonhos do mundo. Sejam e sonhem, sempre. Uma vez o Silvio, que foi meu orientador educacional aqui no equipe, disse que os adultos mais felizes são aqueles que foram fiéis aos seus sonhos adolescentes. Não se percam dos seus sonhos. Não fujam para o subsolo.

Lemos sobre as mulheres de uma cidade que, cansadas de perderem seus homens para a guerra, fizeram uma greve de sexo. E então, sem suas mulheres, os homens perceberam que mais que fazer guerra, o bom mesmo na vida era fazer amor. E amar, e viver em paz, na paz.

Lemos também sobre um cara cujo sonho era ficar num campo de centeio, que ficasse ao lado de um precipício, vendo crianças brincar. A função dele, no mundo, seria apanhar as crianças desatentas, que, correndo demais ou distraídas, corriam o risco de cair no abismo. Esse cara tinha dezessete anos, perdera seu irmão mais novo, fora expulso de três escolas, crescera 17 centímetros num ano, e queria ser só isso: um apanhador no campo de centeio.

Lemos sobre outro,que certa manhã acordou de sonhos intranquilos e encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.

E à medida que líamos, conversávamos. E a gente conversou que às vezes o mundo nos transforma em insetos mesmo. Nos atropela. Quer que a gente se molde, quer nos obrigar a esquecer nossos sonhos, porque parece que não dá, e a gente entra na roda viva, e um dia acorda em forma de barata. Cuidado, crianças. Ser, é também resistir a essa metamorfose. Ser é resistir. Porque o mundo aí fora é duro, uma vida viva é uma vida atenta, fiel a si mesma e aos seus valores. E para isso é necessário muita força e integridade, e não dá pra ter preguiça.

E não é possível ser, sem que se olhe para o outro. Um olhar de cuidado. Se tem uma coisa que o Equipe ensina é olhar para o mundo com olhos atentos e inquietos, incomodados e ativos. Os outros, o mundo, nos fazem, e dão até sentidos para a nossa existência. Que vocês sejam, e sejam conduzidos por padrões éticos, humanos, atentos ao outro.

Mas como é difícil se colocar no lugar do outro! Quase impossível. Mal posso escrever de mim, professora, vou escrever do outro? Não consigo, não consigo criar um personagem que seja diferente de mim... Conseguem. Conseguiram. E cresceram, e podem – e vão - crescer ainda mais. Nesse exercício tão difícil e tão importante que é aceitar o diferente, aceitar o estranho, e se colocar no lugar do outro.Isso também é ser. Ninguém é, se não olha para fora de si mesmo, e não consegue identificar um pouco de si no outro, por mais diferente e estranho que o outro seja. Acho que essa foi uma das grandes coisas que talvez tenhamos aprendido no curso de literatura deste ano.

Lemos sobre o índio valente, cuja tribo havia sido massacrada e vagava com seu pai, cego, pela floresta, e que chorara na presença da morte, na presença de estranhos, ao lembrar-se do pai só e cego, perdido na floresta. Lemos como o índio foi solto e depois rejeitado pelo pai por sua suposta covardia. Lemos a luta que houve, e que não houve guerreiro mais valente que aquele índio que chorara.

Lemos um livro inteiro onde as coisas mal acontecem. Onde o narrador, um homem mais rico e letrado, quer falar de uma nordestina quase analfabeta, que mal sabia falar, mal tinha consciência de si. Que nunca experimentara a felicidade. Que tem sua hora da estrela quando – como um operário na construção - anda na contramão, atrapalhando o tráfego. E morre. E não há ninguém que preste no livro, e a Clarice ainda por cima escreve prosa como se escrevesse poesia.

E depois lemos sobre o homem do subsolo, a classe reclamando que só líamos livros tristes, e poemas tristes, e lá vamos nós ler Dostoiévski.

"Tenho agora vontade de vos contar, senhores, queirais ouvi-lo ou não, por que não consegui tornar-me sequer um inseto, Vou dizer-vos solenemente que, muitas vezes, quis tornar-me um inseto. Mas nem disso fui digno." (p. 19)

Pois é, esse daí não consegue nem ser um inseto decente. Looooooooooseeeeerrrrrrr. Doeeennnnteeeeee.

- Sabe quem é esse cara, professora? Você já viu aquele programa, linha direta?

- Já.

- Então, ele é um desses caras que aparecem no linha direta, esses caras doentes.

- Será? O quê vocês acham, gente?

- Eu acho que não... - falou uma menina, bem tímida mas convicta - porque... sabe? O que é legal nesse cara é que ele tem consciência de como ele é ridículo e patético, ele sabe disso. Ele tem raiva do mundo mas acho que tem raiva principalmente de si. E... sabe? eu acho que eu até me identifiquei em algumas partes do livro... não assim com essa raiva toda que ele tem do mundo, de todo mundo, tal... mas da vergonha que ele sente de si próprio às vezes... da vontade que ele tem de não falar com ninguém e ser grosseiro com todo mundo... De como às vezes ele é superior a todos, e às vezes se sente super inferior.

- Sabe o que eu gostei no livro? - um outro aluno - como ele sempre pensa que deve fazer uma coisa e nunca faz aquilo que pensa que deve fazer. Ele está lá num lugar e pensa: eu preciso dar um soco nesse cara, ou: eu preciso ir embora... mas fica lá, andando de um lado para o outro e não faz nada daquilo que gostaria de fazer, ou que acha que tem que fazer. Eu achei isso muito legal.

- Eu acho que esse livro me ajudou a entender melhor as pessoas...

- Por quê?

- Ah... sei lá... o cara tem coragem de falar um monte de coisa que todo mundo sente um pouquinho mas não tem coragem de confessar, ele vai lá e confessa, sabe?

Uma menina vira para o outro que disse odiar o cara com todas as forças:

- Você nunca faz uma coisa da qual se arrependeu depois? Ou deixou de fazer por falta de coragem e depois ficou pensando nisso durante dias e dias, e isso virou uma coisa enorme na sua cabeça? Você nunca quis fazer algo e acabou fazendo justamente o contrário? Eu fiquei com um pouco de pena do cara, sabe? mas gostei dele, de uma certa maneira, sei lá.

- Eu não tô gostando do livro porque dá aflição e angústia.

- Eu acho que o cara devia tomar coragem, se matar e deixar a gente em paz.

- Por que alguém vai escrever um livro sobre um cara desses?

E aí a gente conversou que a razão, o bom senso, a racionalidade não são suficientes para explicar o que é o ser humano. Que o cara, e a gente, tem impulsos auto-destrutivos, que todo mundo tem... Que nem sempre a gente age com racionalidade, quem nem sempre dá, e vale a pena, ser um winner na vida. Que tudo isso aliás é meio ridículo, que há o subsolo do humano, e que esse não pode ser negado. Porque todo mundo aqui sabe que a gente tem às vezes prazeres e desejos perversos... todo mundo aqui já fez alguma vez alguma coisa muito nada a ver, perigosa ou auto-destrutiva prá caramba, só para flertar com o perigo, para testar limites, sei lá. Pô... Que todo mundo é meio loser mesmo e ainda bem, porque essa figura do cara que sempre consegue tudo aquilo que quer, que sempre faz tudo aquilo que acha que deve fazer, que tá sempre feliz, realizado e se dando bem com todo mundo... é muito chata. Sabem, o homem do subsolo leva ao máximo um lado que todo o mundo tem, vamos chamar de lado loser, para vocês verem o ridículo dessa expressão. Ainda bem que alguém escreveu um romance sobre ele, porque o ser humano não tem controle absoluto sobre si próprio, tem o inconsciente, tem um prazer que a gente sente na dor, tem um monte de coisa... Essa obrigação de ser feliz, de se dar bem em tudo, de conseguir as coisas, é na verdade não só ridícula como muito dura também.

E o pior: ele é um cara que tem a consciência hipertrofiada. Pensou demais, observou demais, refletiu demais. A resposta possível que ele dá para tudo isso, para o ridículo das pessoas que observou, para a hipocrisia do mundo, os bajuladores, etc. é a inércia. Pois para ele não adianta fazer alguma coisa, porque nada do que ele fizer vai mudar ou alterar o estado do mundo e das coisas. Mas isso não impede que ele sinta raiva, muita raiva. O discurso dele é inteiro raivoso, e é bacana um discurso raivoso, o mundo precisa também disso. E eu acho que dá para agir também, não precisa entrar na inércia porque o mundo é uma droga, a ação vale a pena, e no mínimo faz a gente ficar mais feliz.

O mundo não está dado, ele não é harmonioso, é a gente que tem que construir o nosso mundo, sabe? Ir juntando as pecinhas partidas, criando nossos sentidos... o romance moderno trata justamente dessa construção: o herói do romance moderno tem que construir a si mesmo e ao mundo, criar um sentido para si e para as coisas do mundo. Esse é o grande tema.

E muita gente abdica de si mesmo e dos seus sonhos, se aprisiona ao máximo para poder inserir-se no mundo, não virar um loser, ganhar muito dinheiro, sei lá. Tem muita gente muito infeliz por aí, gente demais. E é difícil mesmo. Porque por outro lado ninguém quer virar uma barata ou um personagem do Dostoiévski que nem barata conseguiu virar. Mas é bacana a literatura mostrar que o mundo é um pouco isso aí mesmo. Que é uma batalha a gente ser fiel a nós mesmos, e para isso a gente tem que lembrar o tempo inteiro que essa construção do mundo e de nós mesmos nos dá uma coisa muito muito preciosa e bacana: liberdade. Ninguém está predestinado a nada, ninguém tem um lugar fixo, cada um pode ser livre para viver seus desejos, construir sua vida, lutar pelos seus sonhos, lutar pela construção de um mundo melhor. A resposta para esses livros não precisa ser uma tristeza e uma depressão, pode ser pelo contrário: ação, e mesmo, talvez, um certo alívio, porque não é humano vencer, se dar bem e ser racional o tempo inteiro, e esses livros mostram que nem é isso que interessa.

Que vocês sejam. Muito fiéis a si mesmos, que consigam, nesse mundo louco e desigual, encontrar caminhos verdadeiros e que lutem sempre para viver de acordo com suas verdades, desejos e sonhos. Que possam ter uma vida muito verdadeira, e feliz. Quando vier a questão, ser ou não ser, espero que vocês possam sempre responder que sim. Sejam. Vivam. Sejam grandes, inteiros, sejam felizes. Eu acho que dá.

Com todo meu amor,

Lu