segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

um post de dois anos atrás

Voltei.
ao voltar, li um post escrito dois anos atrás, mais até, em fevereiro de 2008.
Muita coisa mudou, continuando morando sozinha, amei dois homens, moro sozinha de novo e estranho tudo de novo.
fica o de dois anos atrás, aos poucos, conto o que aconteceu nesse tempo. Ou não.
a volta é sem compromisso. é só porque eu lembrei, dde como escrever me faz bem.
e aí eu conto para os meus amigos que aos poucos vou aterrizando, que depois de quatro semanas morando sozinha um pouco da euforia inicial passou, assim como os estranhamentos. Já sei chegar e ir embora de casa sem estranhar não falar "oi, como foi seu dia? " ou "tchau, viu? volto mais tarde, fica bem." Já sei ligar quando estou me sentindo sozinha, sei de coisas novas que gosto e de coisas novas que não gosto. Sei que arrumar a casa, se cuidar, fazer faxina, ginástica, comprar salada, lavar salada, arrumar a cama, comprar água, pagar as contas, lavar a roupa, preparar aulas, corrigir redações, trabalhar e ser dá trabalho e ando muito muito cansada. Sei que não adianta comprar uma dúzia de bananas, três mangas e três pêras. Sei que quando acordo no meio da noite devo acender a luz, pegar um livro e ler até que o sono chegue de novo. Sei que é bom sempre ter iogurte em casa. Sei que fazer tudo isso é rotina para muita gente, mas fui muito bem cuidada nesses anos todos de casamento e sei que sinto falta de alguém cuidando de mim. Sei também que vale muito, muito mesmo ser verdadeira, e que todo esse caminho é não só necessário como também era o único possível, sei que ficamos amigos e sei que não podemos nos aproximar, não por enquanto. Sei que viver sem estar apaixonada é mais chato que viver estando apaixonada. Sei que uma tristeza às vezes vem, e que é normal, natural até. Sei que também vêm momentos de alegria e euforia. Sei que a opção por uma vida verdadeira é sempre a melhor possível, e que é uma opção difícil mas muito, muito compensadora. Sei que acho chato cozinhar só para mim, e sei que ficar comendo fora todos os dias em SP é muito caro, e geralmente, pouco saudável. Sei que paquerar e conquistar é gostoso e divertido, sei que muitas vezes não vale a pena sair do estágio da paquera. Sei que estou mais sábia, mais jovem e mais velha ao mesmo tempo, estou mais mulher e mais humana também. Sei que estou mais forte, sei que ando cansada, sei que é um baita esforço, mas daqui a pouco, talvez tudo isso, torne-se natural.

"Eu do lado certo"

No sexto ano ( antiga quinta série) inicio o trabalho de redação pedindo que escrevam um texto intitulado: Eu ao contrário.

É assim: eles têm que escrever sobre si, mas descrevendo-se ao contrário do que são. Devem falar daquilo que gostam, que odeiam, de suas personalidades, comidas prediletas, família, corpo... sempre ao contrário. É bem divertido e desmonta o que seria uma auto-descrição banal e já solidificada que cada um de nós tem sobre si mesmo. Eles se divertem contando como são velhos, os meninos falando que são meninas, as meninas faladno que são meninos, contando como amam comer jiló com beterraba, como odeiam pizza e ver tevê e assim por diante...
Ao me entregar o texto, um deles perguntou:
- E quando você vai nos pedir para entregar uma redação falando do "Eu do lado certo? "
- "Eu do lado certo? " - perguntei, sem entender muito.
- É, ué... Já escrevi sobre o "eu ao contrário", agora queria escrever sobre "eu do lado certo", ué...


E nas redações um menino escreveu que amava viver. Achei que havia se atrapalhado, muitos se atrapalham e acabam falando de si " do lado certo" ao invés de falar de si ao contrário. Chamei o moleque:
- aqui, onde você colocou que amava viver... é isso mesmo ou você ama viver de verdade e se enganou?
- Não. - me disse o menino, impassível, do alto do seu metro de altura - eu odeio viver.
- É mesmo? - perguntei, procurando fazer um ar tão indiferente quanto o dele ( quando aparecem essas coisas a gente tem que prestar atenção mas, ao mesmo tempo, não dar muita bola nem se mostrar muito impressionado) - então, você não gosta de viver...
- É. - respondeu-me, lacônico - Inclusive, eu sempre como maionese em excesso que é para apressar a minha morte.
- Tá, só para saber. - respondi, e o menino que come maionese em excesso para apressar a sua morte voltou a sua mesa, e foi passar a limpo sua bela redação.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

as histórias maravilhosas que os alunos me contam:

Então na sétima série comecei o trabalho com crônicas. O grande lance de se trabalhar com crônicas é, ao meu ver, despertar nos alunos um senso de observação das pequenas coisas do dia a dia, fazer com que percebam que a matéria literária é também aquela bem próxima, das coisas pequenas e grandes que acontecem ao redor da gente: o café da manhã qu etomamos, uma briga com o irmão, uma pessoa vista na rua. Quero que eles agucem seus sentidos para a vida e que percebam que a vida é feita dos pequenos momentos, das pequenas belezas, das horas e dos dias. O pessoal tem mania de achar que as redações têm que versar sobre grandes acontecimentos, sequestros, mortes, roubos e fugas, coisas assim. No trabalho com crônicas, procuro mostrar que não é bem assim, que o muito grande pode estar numa fração bem pequena na nossa existência, que basta observarmos e prestarmos atençao nas coisas dos nossos dias e noites, nas pessoas que nos rodeiam, nas conversas que escutamos, que temos matéria de sobra para o escrever. Matéria essa muito mais interessante, e verdadeira, do que aquelas ditas grandes ou sensacionais.
Pois bem, alição de casa da semana passada era muito simples:
- observar.
- Como assim?
- Observar, prestar bastante atenção em alguma coisa. Qualquer coisa. Pode ser uma pessoa, um lugar, um sentimento, um diálogo, um jeito da pessoa se mexer e falar, o que vocês quiserem. Tem que prestar muita atenção mesmo, e trazer essa observação para a sala de aula.
No dia marcado, todos haviam trazido suas observações, e puseram-se a escrever. Todos menos um:
- Pedro... Por que você não está escrevendo?
- Ih... não tive nada para observar professora.
- Como não? e tudo aquilo que eu falei, sobre o mundo, as pequenas coisas...?
- Sabe o que é? Desde que você deu essa lição, o mundo ficou vazio... vazio, vazio...


Fiquei ali por alguns minutos, olhando o moleque. Sorríamos, eu e ele, enquanto outro escrevia sobre a professora de português, meio louca e meio descabelada.

Somewhere over the rainbow

Porque então no dia seguinte ao bang bang a gente acorda e quer olhar o sol e ficar numa boa, na aventura da vida.






PS: excelentes discussões nos comentários sobre filmes com crianças. Corram lá para ver.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

bang bang

porque às vezes a gente se sente assim como se abatida. Ou porque, simplesmente, às vezes eu queria ser a Uma Thurman, no Kill Bill.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Filmes com criança: a culpa é dos adultos, esses adultos....




Filmes com criança são fofos.
Eu sei, você sabe, todos nós sabemos.
Não precisa muito:
Um sorrisinho, uma brincadeirinha, um comentário puro e inocente, o câmera fechada naqueles olhos infantis e lá estamos nós, sorrindo feito bobos ou nos debulhando em lágrimas, pensando assim: que fofo!

Acho que o primeiro que inaugurou essa leva foi o Cinema Paradiso. O maravilhamento do cinema sob o olhar do menino, e como são expressivos os olhos das crianças!
E então veio a farra: o holocausto sob o olhar da criança, a guerra sob o olhar da criança, a ditadura brasileira sob o olhar da criança, a ditadura argentina sob o olhar da criança, a política sob olhar da criança... façam suas listas.

Outro dia, vendo a lista dos filmes mais badalados, quase caí para trás: ou eram filmes para crianças ( maravilhosos: desde o surpreendente transformers até o maravilhoso ratatuille) ou eram filmes com crianças como protagonistas. Essa coisa fofa e linda que é mostrar o mundo através do olhar infantil.

Ok, alguns são terríveis, aterrorizadores mesmo. O Labirinto do fauno talvez seja o exemplo mais acabado disso: mesmo o mundo encantado da criança é um mundo de sombras, onde o bem e o mal não são facilmente distinguíveis, onde são pedidas provas cruéis, pessoas morrem e tudo o mais.

Crianças sofrem muito, e não são santas nem boas. Os bons filmes, e as boas narrativas com crianças, não se esquecem disso.
Mas...

Outro dia comprei o cedê do pato fu: daqui pro infinito. Um cedê pop gostoso, bom de ouvir no carro. E lembrei do Arnaldo Antunes, e lembrei da Adriana Calcanhoto e fiquei pensando: eles fazem música para criança ou para adulto?

Eu adoro música de criança, me acabo cantando Os Saltimbancos, mas... na minha época, música de criança era vendida como música de criança. Me assusta um pouco, adultos ouvindo músicas de criança.

E a maioria dos leitores de Harry Potter também é adulta, assim como os espectadores dos filmes da Disney e Pixxar, assim como os espectadores do Senhor dos Anéis e assim como assim por diante.

Ok, talvez as produções voltadas para o público infantil e adolescente sejam mesmo melhores que aquelas voltadas para o público dito adulto, mas eu fico achando, fico achando mesmo, que há algo de... senão podre, muito estranho no Reino da Dinamarca.

Tudo isso porque fui ver o filme A culpa é do Fidel.
O trailer é sensacional ( ok... eu continuo acreditando em trailers...) e a idéia, ótima:

Uma garotinha francesa, feliz e burguesa, vê sua vida progressivamente ser arruinada à medida que os pais se politizam, viram comunistas e envolvem-se com as políticas da década de sesseta, setenta. Logo ela passa a ganhar de presente roupas estranhas e coloridas, bordados de flores, gorros peruanos. Logo ela perde sua babá querida, exilada cubana, e passa a ser cuidada por babás esquisitas, exiladas de países como o Vietnam, China ou Grécia, que lhe servem comidas estranhas com ingredientes exóticos e ignoram o bom e velho pain au chocolat. Pior: ela muda-se para uma casa menor que logo é invadida por homens barbudos que não param de fumar cigarros esquisitos, é tirada da aula de catecismo, e logo passa a ter vergonha de levar suas amiguinhas para dormir em casa.

Fui ver, porque afinal tem a ver também com a história da minha vida. Estudei numa escola alternativa onde as meninas chamavam-se Inaê, Erecê, Ialê... ( sempre confundia as três) , e os meninos: Caê, Cauã, Tom e Gil. Havia até uma Luz Morena. Juro. Chamar Luana era tipo normal.

Fui a comícios quando pequena, fiz muita boca de urna quando criancinha, lembro com emoção do povo reunido na minha casa, se preparando para ir ao comício das diretas já, tinha - e tenho - medo de polícia. Lembro, também com emoção, quando minha mãe foi votar pela primeira vez e me levou junto, e me mostrou o que era o voto e a democracia. Meus pais tinham amigos torturados, exilados, desaparecidos. Tenho um primo querido que nasceu no Chile e cresceu no exílio, um tio que foi procurado vivo ou morto. Meu avô, que ensinava russo na Universidade, foi preso várias vezes. Cresci em meio a discussões políticas, cantei muita música revolucinária, aprendia lições de marxismo e socialismo, noções de igualdade e luta, usava sainhas indianas desde pequena, e burguês para mim era uma espécie de xingamento bem sujo. Todos, a minha volta, eram barbudos, e minha mãe usava umas jóias de prata africanas que acho lindas até hoje.
Enquanto meus amiguinhos iam para a Disney, passava as férias no Peru, na Bolívia, na praia de pescadores de não sei aonde, nos confins do Piauí.

Ganhei e usava gorros peruanos e sainhas indianas desde criança, tinha amigos que levavam tofu e bardana de lanche para a escola e morria de vergonha de ver minha mãe dançando Gal, descalça na sala, como se não houvesse amanhã. Minhas músicas de infãncia são Tom Zé, Caetano, Novos Baianos, Gil e assim por diante. Só ouvi falar de deus pelas empregadas, bastante preocupadas com meu destino pós mortem.

Aprendi desde pequena a valorizar a política, a liberdade, o pensamento, a luta por um mundo justo, as artes, as vanguardas artísticas, o amor, a paz, essas coisas.

Fui conhecer meu primeiro malufista só aos quinze anos de idade.

Juro.

Quando criança, brincava de fazer greve. Uma vez fiz até uma passeata com uma amiguinha: "edo, edo , edo, não queremos dormir cedo!"

Tinha que ver aquele filme.

Fui.

Há cenas boas, identifiquei-me com várias situações, ri um pouco e tal. Mas...

Alguma coisa me incomodava, e conversando com a Ana Paula, uma das amigas brilhantes que tenho, percebi o que era:
esses filmes com crianças acabam, ao final, se eximindo da crítica, e mesmo da política.

Vejamos, por exemplo, O Labirinto do Fauno, o melhor filme dentro desse gênero, dentro dessa última leva:

há duas histórias paralelas que correm no filme:
a história dos adultos, sob o fascismo e a brutalidade franquistas, representada pelo espaço da casa e pela figura do Capitão, atento ao seu relógio quebrado, às regras, à procriação, à manutençao do regime. Dentro desse espaço, há aqueles que buscam caminhos de luta dentro da própria casa (o caso de Mercedes, a governanta, dona das chaves da despensa, que quer cantar uma cantiga de ninar para a menina mas esqueceu-se da letra; ou do médico, que envolve-se mesmo que tardiamente, pois não há neutralidade possível dentro de um regime de exceção) e há aqueles que lutam na floresta, organizados em grupos políticos subversivos. Esse é o plano da História, aquela política e social, feita pelos homens e mulheres.
Há, também, a história da criança. A menina desde o início carrega consigo um livro de contos de fadas e logo na primeira cena vê, na floresta, indícios de um mundo mágico e encantado. O plano da história, sob olhar da criança, mescla-se com o plano da fantasia, do mito, da narrativa mágica.

Logo aparece a figura do fauno, e à narrativa histórica, que ocorre no plano da casa e se estabelece sob o conflito do filho do Capitão que está para nascer e a busca pelos subversivos escondidos na floresta, mescla-se a narrativa mágica, que se estabelece sob as tarefas que a menina princesa deve cumprir para restituir seu lugar de princesa e reestabelecer a ordem a e harmonia no plano mágico. São duas espécies de luta que correm em paralelo. Em jogo: a liberdade e a vida.

O labirinto do fauno é o labirinto da história, e nele se enlaçam os fios da narrativa dos homens e mulheres e os fios da narrativa mágica.

Não interessa, é claro, se o plano mágico é somente fruto do delírio da menina imaginativa ou se acontece "de verdade". No cinema é tudo "representação", mesmo os filmes baseados em fatos reais são de mentirinha, e isso - a suposta veracidade do mundo narrado - não é critério para analisar obra de arte alguma.

Ao final, a luta política é massacrada, morre o Capitão e morrem também os Revolucinários. Esses são os nossos tempos, a gente fica se perguntando se a luta política morreu, e eu fico achando isso perigoso, muito perigoso. A saída que o filme apresenta, e o filme apresenta uma saída, é no plano mágico, onde a menina ainda vive, restitui seu lugar de princesa e tudo. No plano da história o bebê é o único sobrevivente e será criado por Mercedes, que não lhe contará sua verdadeira história e poderá criar outra, quiçá mais feliz. O filme não abdica da complexidade e aí está um dos seus gandes méritos. Mas o final da história está no plano mágico, da criança, único lugar possível de harmonia, onde cada personagem pode ter seu lugar na História. Do labirinto da história, aquela real, não há saídas, apenas massacre e violência. Um bom filme, que faz pensar e não abdica da complexidade. Um filme também desencantado com os rumos da história e da política, como tantos filmes nossos contemporâneos, um pouco como nós.

Parece que as atuações políticas possíveis e que fazem sentido no mundo de hoje estão no campo da ecologia, da ação individual, da formação de pequenos grupos que vão lutar por seus direitos específicos. É claro que ficamos descrentes na política, nos políticos, nos partidos, nas revoluções e etc. Isso pode ser um sinal de crescimento, mas parece-me um pouco perigoso. Triste, e perigoso, pois as grandes estruturas que oprimem sim e transformam todos os aspectos da vida e a própria vida em mercadoria, objeto vendável, permanecem as mesmas, não importa quão ecológicos ou politicamente corretos sejamos. Sim, meus amigos: a lulu acha que o velho Marx estava certo . Não nos prognósticos, mas no diagnótico o cara acertou bem. Além de lutar pelo nosso jardim, nossa liberdade de amar e ser e nossas galinhas felizes, há que se manter em vista as grandes estruturas. Elas não são naturais, são opressoras e podem, talvez, ser mudadas.


Isso porque o que me incomodou no filme A culpa é do fidel é justamente uma espécie de descompromentimento com a política e o mundo dos adultos que esses filmes atuais narrados sob a perspectiva de olhos infantis acabam por criar.


A criança não pode fazer nada para mudar o mundo. à criança são dadas explicações simplistas, a criança não tem escolha, não vota porque simplesmente ainda não tem condições de decidir-se por determinadas políticas ou candidatos. A criança percebe um monte de coisas legais sobre o mundo e o ilumina mas é criança, não pode se comprometer nem fazer escolhas.

Quando eu brincava de polícia e ladrão, sempre brigava com meus amiguinhos e amiguinhas sobre quem seria o ladrão. Ninguém queria ser polícia.

Ok,
é uma cena fofa.

Vamos combinar: nada complexa.

Agora, com o tropa de elite, meus alunos brincam de ser polícia. Normal, crianças. E os adultos?
Com o tropa de elite, brincam de ser polícia também. Cansei já de ver professor imitando o Capitão Nascimento.


O bom da Mafalda, uma grande personagem infantil, é que ela sempre colocava os adultos em situações de constrangimento. Alienada era a Suzanita, cujo projeto era ser mãe e ter muitos filhos. Mas mesmo a Suzanita ocupa um papel importante, importantíssimo, no mundo da Mafalda, pois se somos muito Mafaldas, vamos confessar baixinho que também temos um lado Suzanita. Ou não. Ou lutamos contra esse lado. Mas o mundo é complexo.

O problema de filmes de crianças é quando eles abdicam da complexidade e da crítica. Quando tudo torna-se uma melodia pop e fácil, boa para se ouvir no carro em meio ao trânsito. Quando as questões de adulto parecem que podem ser resumidas nas respostas das crianças. Quando a estrutura do mundo, por um ato de vontade, parece que pode ser reduzida à perspectiva do olhar infantil.

é fofo.

mas não é assim.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

primeiros dias

Então a casa está, finalmente, arrumada. Preciso de um novo colchão, mas dá-se um jeito. Ainda não sei cozinhar só para mim. Ainda gasto mais do que ganho.
Levanto e ouço música. Leio.
Minha fase Henry Miller passou, li tudo dele que me caiu nas mãos. Comecei aler Pais e Filhos, do Turguêniev.
A casa anda sempre cheia, acho que os vizinhos vão reclamar.
As aulas recomeçaram e tem duas coisas lindas no primeiro dia de aula:

1) As crianças pequenas chorando de saudades de casa, de saudades da mãe, de susto com o mundo novo.
A professora pega a criança no colo, leva para a classe e fala assim:

- Olha quanta coisa legal a gente vai fazer !
O menino, chorando e fungando, responde assim:
- Eu sei... mas é que eu estou com muita saudade da minha casa.
A mãe fica num canto, meio escondida, olhando seu pequeno, esperando para ver se ele aguenta passar o dia fora, sozinho na escola nova pela primeira vez.
As mães e os pais de crianças pequenas, que vão deixar os filhos pela primeira vez na escola às vezes não aguentam e choram um pouco também e se escondem, para que os filhos não vejam as suas lágrimas e fiquem em paz em seus novos lugares.

2) A ansiedade e confusão dos meninos do sexto ano ( ex quinta série). Eles vêm com suas mochilas, seus cadernos novos, e sempre, sempre vêm com TODOS os livros pedidos, de todos os dias da semana, um peso enorme. A gente chega na classe e nunca viu uma classe tão quieta. Pede uma redação e nunca viu tantos meninos tão empenhados em escrever. A confusão é enorme: muitos professores, matérias novas, cadernos novos. Um menino perguntou:
- Eu não estou entendendo... Quantos cadernos é para eu colocar em cima da carteira?
- Que matéria você tem agora?
- Ciências.
- Então agora você coloca só o de ciências.
- Tá bom.
E então ele vai lá, coloca o caderno de ciências em cima da mesa, arruma o estojo com milhares de lápis, canetas, canetinhas, borrachas, e espera a aula e a nova vida começarem.

Eu lembro do meu primeiro dia na quinta série. É um novo mundo e é muito legal. Crescer é muito legal também.

Eu, no meu novo mundo, estou toda pronta. E vivo. E cresço.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

carnaval em S.P.

o bom de passar carnaval em São Paulo, sem tevê, é que a gente nem percebe que é carnaval.

cidade vazia. adoro.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A história dos meus livros, parte 1



Ali, meus livros da infância, que li e continuo lendo, seja por razões de ofício, seja por prazer mesmo.

O Monteiro Lobato inteiro, usado, mil vezes lido, viajado, levado comigo para todas as casas onde morei. Histórias do mundo inteiro, Harry Potter, os novos livros de criança.

Eu lia Reinações de Narizinho num sítio que meu pai tinha em Campinas. E ali, eu pude fazer uma das coisas mais legais do mundo de se fazer quando se lê literatura:
no sítio do meu pai tinha uma jabuticabeira. Eu, menina, me empoleirava na jabuticabeira, levando coigo meu livro. Abria as páginas bem confortável, e comia jabuticabas, enquanto lia que Narizinho "não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! - caroço fora. E tloc, pluf, - tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore. " E havia o Rabicó, um leitão muito guloso, que vinha postar-se embaixo da árovre, à espera dos caroços. " Cada vez que soava lá em cima um tloc! seguido de um pluf! ouvia-se cá embaixo um nhoc! do leitão abocanhando qualquer coisa. E a música da jabuticabeira era assim: tloc! pluf! nhoc! - tloc! pluf! nhoc!"

Eu aprendi a comer jabuticabas junto com a Narizinho. Até hoje ouço essa música, mas fico na minha, ouvindo bem baixinho, sem contar par aninguém, lembrando dessa parte feliz da minha infância, quando vvia aquilo que lia nos livros, e ficava torcendo para adormecer ao lado de um riacho e aparecer um prícipe escamado, que cutucasse meu nariz achando muito estranha aquela caverna peluda. E o prícipe escamado me levaria para o Reino das Águas Claras, onde as fadas me fariam o vestido mais lindo e o Dr Caramujo daria uma pílula que faria minha boneca falar sem parar. Fui ali que aprendi a viver aquilo que leio, e que aprendi que as fronteiras entre literatura e vida são bem bem tênues. Ok, podem dizer que sofro de Bovarismo desde então. Aceito o diagnóstico.

Ontem estava lendo o conto O Gato Preto, do Edgar Allan Poe para o sétimo ano ( ex sexta série, depois explico isso ) . Eles têm doze anos, mais ou menos. É um conto muito assustador, narrado em primeira pessoa. O narrador vai contando como a raiva e a maldade vão se apoderando dele de maneira tal que ele, que outrora amava os animais, passa a maltratá-los e espancá-los. A certa altura ele conta como, embriagado, retira um canivete do boso e arranca o olho de seu gato. Nesse momento, um menino, aluno novo, todo pequenininho e assustado, levanta a mão e pergunta:

- É de verdade isso?

Eu respondi:

- Não. É de mentira.

Menti. Há poucas coisas tão verdadeiras no mundo como a boa literatura, a boa ficção.
As crianças sabem disso. Os adultos que são bons leitores sabem disso também.

as fotos... para os curiosos, clicando em cima, elas ampliam e dá para ver meus livros de criança. A segunda está fora de foco, eu sei... mais tarde troco por uma de melhor resolução.