quarta-feira, 28 de julho de 2010

pela existência

Ela andava pelo mundo à procura de encontros verdadeiros. Não de facebook, nem de coisas chiques, nem de estrelas nem mesmo de paqueras. Não queria encantos fortuitos, ou a pluma leve da espuma de champanhe que se esvaía assim que o copo terminasse. Não queria o abraço falso da festa onde todos se amam e são felizes, nem o encantamento falso de como eram todos inteligentes e legais e lindos mesmo até.
Às vezes ficava quieta, sem vontade de falar porque qualquer verbo soaria falso e desperdiçado diante de tudo o que ela era e sentia e não podia dizer à toa, porque se esvairia.
Ela andava à procura de um olhar para o qual ela dissesse sim e que esse olhar lhe respondesse que sim também e que então se dessem as mãos e soubessem, em silêncio, que sim. E então, naquela tarde, ela achou sim que naquela momento sob o sol, caminhava agora, nem que fosse por aquele instante,  junta. E ela, perplexa, acompanhava o andar do mundo que, como pode, continuava o mesmo. e, ainda assim, havia a intuição, profunda, de que algo fundamental mudava no universo inteiro, e um novo encaixe, talvez, talvez, estivesse sendo feito.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

medos

Eu tenho uma amiga com quem sempre converso sobre medos, são conversas um pouco assim:

Ele me ligou, que medo.
Não me ligou. Não disse nada. Medo.
Ligou e falou que não pode ficar um segundo sem pensar em mim. Medo. 

Está pintando uma oportunidade de trabalho. Medo.
Estou sem trabalho nenhum, medo.
Estou enjoada do meu trabalho. Medo.
Estável demais.
Instável demais.
 Medo.

Bonita demais naquele dia, todo mundo olhou, medo.
Feia demais, ninguém nem reparou na existência.medo.

Uma pinta na boca, um olho vermelho, uma bola no nariz. Medo.Cãncer, catapora, encefalite, conjuntivite.

Medo de assalto, medo de roubo, medo de um monte de coisa.

 Conversamos que às vezes até sair dá medo, olhar, conversar, estar na rua com gente estranha.

E conversamos que  às vezes dá medo, muito medo mesmo,  fazer exatamente aquilo que a gente gosta, e fazer exatamente aquilo que a gente quer.
E esse medo é o medo a ser mais combatido. 

Morremos de medo, eu e essa minha amiga, e ainda assim, não deixamos de fazer nada. Ou quase nada. Não... mentira.
Eu deixo de fazer algumas coisas, por medo, talvez mais até do que eu perceba. Não me faz a menor falta pular de asa delta ou páraquedas de uma pedra gigante, tenho medo mesmo e é isso aí, posso morrer sem, mas às vezes tenho medo de ser verdadeira comigo mesma, tenho medo de escrever, tenho medo do novo, do encontro, de me perder, tenho medo de mim e de assumir o que sinto.
Essas horas são horas de frio na barriga, e a gente faz a maior força e aguenta.

Ligamos uma para outra,  ligamos  para mais outros amigos que também não têm medo de assumir seus medos.

E nos cuidamos e tomamos coragem, e tomamos aspirina, acupuntura, remedinho, vodka, Tomamos banho, coca cola e chopp, passamos batom,  colocamos salto ou saímos de havaiana mesmo,  vamos para a análise, para a casa da mãe, pro bar, pra rua, pro cinema, saímos de casa.

Nessas horas a gente tenta fazer de tudo para enfrentar os medos.
às vezes  fechamos os olhos e vamos em frente,  de uma vez e com tudo, às vezes saímos de casa  bem devagarinho,  com muita cautela e aos poucos, quase como se não estivéssemos lá. Às vezes deixamos para um pouco mais tarde, o enfrentamento, porque ainda não era a hora.

Mas de qualquer jeito, como eu falo para os meus alunos do sexto ano, é sempre bom, nas noites de mais medo, tomar coragem e olhar logo debaixo da cama e dentro do armário, pois um monstro enfrentado  é geralmente menos assustador que um monstro escondido.

E às vezes esse monstro  pode ser fundamental , porque  era, simplesmente, o desconhecido, o novo e, afinal,  o desejado.

A gente não é daqueles  ou daquelas que não sentem medo de nada, mas temos nossa valentia, até porque desejamos tanto da vida, que precisamos ser muito valentes mesmo. Ficamos até com medo do tamanho da nossa vontade de viver. E a vontade ganha, porque somos a favor dela, e não do medo.

e é pela vontade de viver, e não por medo, que vivemos.
E quando a coragem falha, as amigas estão aí, para lembrar a gente disso.  
ainda bem.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

o meu, o teu, o nosso

das dificuldades maiores da vida é sabermos onde terminamos e onde começa o outro em nós. Já misturei-me completamente, a ponto de ficar um bom tempo sem fazer uso da palavrinha tão importante que é EU. Éramos dois, e éramos sempre juntos, e nós gostávamos disso e achávamos aquilo e íamos para lá e para cá. Sempre juntos, sempre nós. Até que me perdi e não sabia mais onde me achava nesse emaranhado de casal. E terminou a história.


Aos poucos, voltei para o singular, procurando e buscando, os meus próprios costumes, gostos, amigos, jeitos.
Demorou muito, muito tempo, para que por fim o "a gente gostava", "nós fazíamos", "fizemos, vimos e fomos" parasse de frequentar as minhas palavras. Aos poucos, construí meu  novo mundo.
Depois misturei-me de novo, e fui o que não era muito para ser o que o outro queria. E de novo separei-me. E misturei-me de novo, por carência, cuidados, e pele.
Até que então aprendi a andar sozinha, chegar e sair sozinha, contar para os amigos as coisas da vida, contar para mim mesma e comigo mesma. Gripei sozinha, cozinhei, fiz sopa. E agora posso dizer muito de mim, no singular,  com  alguma intimidade e bastante felicidade de quem conseguiu, um pouco que seja, conviver e bem, sozinha consigo mesma.



quarta-feira, 14 de julho de 2010

mar tranquilo

há muitas reclamações nesse blog, algumas muito antigas. Reclamações de não se sentir bem,  e não estar no lugar, de sentir-se sempre estrangeira e estranha, em mim e no mundo.
Então eu queria dizer que às vezes, de vez em quando, a vida se harmoniza e é possível deixar o sofrimento um pouco  de lado e além de dormir bem, simplesmente viver. E poder abrir-se para o futuro e para o presente.
tá certo que a vida de férias, a vida do almoço longo, do acordar e ver um filme, da leitura descompromissada e dos encontros com amigos é muito alegre mesmo. Acho até que nasci para isso, para estar em férias.
Mas de qualquer jeito, em meio a tanta reclamação, é bom dizer que estou bem, aqui no presente, neste presente com todos os seus caminhos futuros, sejam eles quais forem. Caminhos de mim.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

nossas doenças

li em meio a uma notícia de jornal a lista dos medicamentos mais vendidos no Brasil. Primeiro são as drogas de ação analgésica, depois os medicamentos contra disfunçao erétil, depois aqueles que regulam o colesterol e os antidepressivos.

Fiquei pensando que somos uma nação cheia de dores, brochada, que come meio mal e anda meio deprimida.

cruz credo!

sobre esse assunto, leia também:
da dor e outras dificuldades

domingo, 11 de julho de 2010

o artista contemporâneo




o nome dele é Rafael Campos Rocha.

Não sei se é artista contemporâneo, mas é um gênio

ele fez essa série para uma revista de arte, a Tatuí ( número 8). Não há nada como aqueles que sabem rir de si mesmos!!

o blog dele é esse aqui:


bom domingo a todos!!!!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

o sono dos justos

Algumas expressões só fazem sentido após um longo tempo e alguma experiência. "Mentira tem pena curta", "De grão em grão a galinha enche o papo" e assim por diante.

Quando criança olhava essas expressões ao pé da letra, e imaginava uma mentira com as pernas curtinhas, uma galinha enchendo o seu papo em algum terreiro vizinho à casa do  Chico Bento e assim por diante.
E não entendia muito bem o negócio de sono dos justos. Ouvia "dormir o sono dos justos" e nunca entendia.

Então vieram as preocupações, os afazeres, os não feitos, não ditos, não pagos, não retribuídos... e as insônias.
E de fato, passei a entender a expressão.

E agora, de férias, fico tão, mas tão contente desse sono dormido, são e tranquilo, que acordo sentindo-me justa, justíssima.
e descansada.

Talvez esse seja um sinal de envelhecimento, saber o valor de uma boa noite de sono muito bem dormida.
Talvez, simplesmente, de maturidade. Afinal, quando a gente cresce, a gente sabe quão difícil é, senão ser, ao menos sentir-se, justo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A notícia mais triste dos últimos tempos

Algumas notícias passam por nós sem que prestemos atenção. Notícias da mais alta gravidade e tristeza, notícias de países e pessoas distantes, notícias de catástrofes, notícias boas ou ruins que vemos quase como abstração, sem peso ou gravidade. Lemos o jornal e  seguimos vivendo, sem gastar com tais notícias que não nos tocaram  um minuto sequer de pensamento, carinho ou preocupação.

Outras notícias nos chegam e é impossível esquecê-las. Ficamos obcecados, procurando informações, imagens, saberes a respeito do fato acontecido. Essas notícias tornam-se nossas companheiras por dias, e tomam nossas conversas e pensamentos, no banho, no táxi, no bar.Algumas alcançam altas repercussões e viram o assunto inevitável de qualquer encontro, outras pertencem somente a nós, e tornam-se quase um problema individual. Uma nota curta, uma notícia escondida.

Eu quase nunca sou tomada pelas notícias que tomam a todos. Não quis saber da Isabela, dos Ardoni, não tenho o menor interesse no goleiro Bruno e nao quero ver a musa paraguaia da copa pelada. Até ontem não tinha a menor ideia do que era o  tal do Polvo Paul.

Mas algumas notícias me atingem, tocam, e ficam.
A notícia que me atingiu nesses dias não foi a de horrores de adultos doentes, ou  a mediocridade do nosso time na copa, nenhum derramamento gigante de óleo, atentado, tsunami ou enchente.

Nesses dias, parei por um casal que morreu em um acidente na Via Dutra, enquanto namorava no carro. 

A notícia, dura, fria, dos acontecimentos, é essa:

"O casal que morreu em um acidente na rodovia Presidente Dutra, na manhã desta quinta-feira (1º), estava namorando dentro do carro no acostamento da via, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal. O homem e a mulher foram encontrados sem roupa.
O veículo Fiat Uno estava parado na altura do km 175 da rodovia, no sentido São Paulo, na região de Guararema, por volta das 6h, quando foi atingido por um caminhão. O motorista teria perdido o controle do veículo por conta da neblina que tomava conta da estrada.

Com o impacto do acidente, a mulher foi arremessada pra fora do carro e atropelada por outros veículos. O homem ficou preso nas ferragens. Não houve tempo de socorro, os dois morreram na hora."


Primeiro, distraída, fiquei tocada pelo uso do eufemismo.
Achei bonito encontrar  o verbo namorar em meio a uma notícia de acidente, e achei bonito usarem "namorar" ao invés de transar, ou fazer sexo, ou sei lá qual o termo usado pelo jornalismo nessas ocasiões mais íntimas.Gostei da ideia de um casal namorando, no acostamento da estrada, nus.

 Depois pus-me a pensar  que de tantos namoros em carros, são raros aqueles nos quais  se tira todas as roupas. Geralmente o namoro no carro é o namoro apressado,  onde se abaixa o zíper, a calcinha e equilibra-se mal e mal entre o freio de mão e a direção, em meio ao medo do flagra, do assalto, em meio ao medo. Ou o namoro longo, daqueles sem quarto ou privacidade,  que no entanto não chegará mais longe, daqueles filmes dos anos cinquenta, nos quais o homem fica insistindo e a menina não cede. Ou cede. Mas ninguém tira a roupa. Não parece haver no carro espaço para a nudez, para uma entrega tão completa e de tanta intimidade.
Um casal nu, namorando, no acostamento da via Dutra, às cinco e quarenta da manhã.

Um casal singular, um casal feliz, fiquei querendo que eles fossem muito felizes.

Flávio e Juliana.

 Ela, secretária; ele, vendedor.  Trinta e três e trinta e dois anos. Nus.

Impossível não pensar na história que os levou até ali. A neblina era forte, talvez tivessem encostado por precaução e por paixão resolveram passar o tempo de um jeito mais belo. Talvez estivessem ali, namorando, a noite inteira. até o amanhecer, perdidos da hora e do espaço. Talvez fosse a primeira vez. Talvez se amassem, talvez não.Talvez estivessem voltando de uma festa onde se conheceram. De onde vinham, para onde iam, não se sabe.

 O fato é que namoravam, nus, às cinco e quarenta da manhã, uma manhã de neblina, no acostamento da Via Dutra.

E em meio ao amor, foram apanhados.

Um caminhão em alta velocidade amassou o carro inteiro e destroçou ali o carro e os corpos de Juliana e Flavio, que se amavam no lugar errado, na hora errada.

Meu repeito ao casal, e meus pensamentos, nessa semana, vão para essa história interrompida,  tão triste, de atropelamento tão absoluto de tantas coisas tão belas.